Órgão Oficial de Divulgação Científica da
Sociedade Brasileira de VideocirurgiaISSN: 1679-1796
ANO 5 Vol.5 Nº 3 -Jul/Set 2007<< Arquivo PDF >>
Cirurgias Neuroendócrinas do Aparelho Digestivo: Um Campo Magnífico!
Neuroendocrine Surgery of the Digestive System: An Amazing Field!
Sérgio Santoro Santos Pereira
Editor associado da Revista Brasileira de Videocirurgia
Mestre em Cirurgia pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo
Membro do CBC - Colégio Brasileiro de Cirurgiões
Membro do CBCD - Colégio Brasileiro de Cirurgia Digestiva
Membro da SOBRACIL - Sociedade Brasileira de Cirurgia Laparoscópica
Especialista em Terapia Nutricional pela SBNPE
Cirurgião no Hospital Israelita Albert Einstein, São Paulo
PEREIRA, S.S.S. Cirurgias Neuroendócrinas do Aparelho Digestivo: Um Campo Magnífico!. Rev bras videocir 2007; 5 (3):113-116.
"Toute foi nouvelle commence par une hérésie"
"Toda nova fé começa como uma heresia"
R.Aron
(filósofo francês, 1905-1983), Ce que je crois
á uns cinco anos e tanto, quando apontamos que restrições mecânicas, como anéis ou bandas e que malabsorção eram mecanismos inadequados e que poderiam ser substituídos por mecanismos mais fisiológicos, como ajustes neuroendócrinos, em cirurgia bariátrica, houve reação feroz.
Houve aqueles que, largamente treinados e habilitados a realizar a Cirurgia de Fobi-Capella, ofenderam-se antes até de ouvir com atenção nossa mensagem, uma vez que a difundida Cirurgia de Capella era tida como um misto de ambas, restrição e malabsorção. Obviamente, não era uma agressão simples a um modelo cirúrgico que beneficiou tanta gente, mas sim um vislumbrar de novas possibilidades.
Como lidávamos há muitos anos com Fisiologia do Intestino Delgado e como a literatura borbulhava em novidades no controle neuroendócrino pelo tubo digestivo do ciclo fome-saciedade e da ativação insulínica, outros mecanismos nos eram oferecidos e estes, diferentemente daqueles, pareciam sim fisiológicos.
Anos passados, andou-se muito. Esclareceu-se que mesmo nas cirurgias desenhadas para causar restrição e malabsorção, havia implicações neuroendócrinas que parecem de mais valia que os intentos originais1. Ficou muito claro que o intestino, mormente distal, emite sinais neuroendócrinos (como GLP-1 entre outros) acusando o recebimento de matéria nutritiva e que estes sinais são fundamentais para disparar saciedade, resposta insulínica e glucogenostática. Meier et cols.2, mostraram que estes mesmos sinais são responsáveis pelo clareamento do sangue de seus triglicérides no período pós-prandial.
O intestino que sinaliza mal quando recebe nutrientes se mostrava então como um causador de distúrbios por saciedade imcompleta, ativação insulínica inadequada, clareamento insuficiente de lípides do sangue, em suma, obesidade, diabetes e dislipidemia e os distúrbios que os seguem. E mais surpreendente: diversos procedimentos cirúrgicos podem melhorar a percepção de nutrientes pelo intestino, amplificando suas respostas neuro-humorais.
Está aberto um campo magnífico. Estudar e compreender as diversas respostas neuroendócrinas intestinais já permitiu, e permitirá muito mais, o desenvolvimento de modelos cirúrgicos que aposentem estômagos minúsculos, anastomoses estreitas, anéis contensores e malabsorção intencional. Mesmo os antes defensores de restrição e malabsorção, hoje se voltam para os hormônios e ninguém mais quer discutir muito se a anastomose deve ter onze, doze milímitros ou um anel.
A Revista Brasileira de Videocirurgia (RBVC), claramente vanguardista, acolheu e estimulou propostas cirúrgicas neste âmbito de diversos autores, de diferentes estados. Aqui publicamos comunicações preliminares como o uso da Gastrectomia Vertical como procedimento para obesidade inicial em 20033, que só recentemente foi acolhida pela Sociedade Americana4 como tal. Igualmente a omentectomia foi reconhecida como metabolicamente eficaz em artigos de impacto5.
A cirurgia de cunho metabólico avançou apesar do legítimo contraponto dos conservadores (e também de alguma ilegítima obstrução, às vezes). O Prof. Dr. Manoel Carlos Velhote teve sua Livre Docência6 aprovada na Universidade de São Paulo com um destes modelos7 aplicados em adolescentes do Instituto da Criança do Hospital das Clínicas da USP, e tal modelo é rotineiramente aplicado lá há anos como procedimento de escolha. Este modelo teve sua comunicação preliminar publicada também aqui na RBVC8. Dr Fábio Milleo teve seu Doutorado aprovado na Universidade Federal do Paraná9 estudando o impacto de Entero-omentectomias sobre a Diabetes tipo 2, e já havia antes estudado efeitos sobre a trigliceridemia10.
Há um grupo forte em Campinas estudando efeito de omentectomias, de exclusão duodeno-jejunal entre outros modelos. Há a interposição ileall1 sendo estudada pelos Dr Áureo Ludovico de Paula e Dr Antonio Luiz Vasconcelos de Macedo12, havendo resultados estimulantes e interessantes em todos esses lugares. Uma de nossas propostas, a primeira francamente de ação deliberadamente neuroendócrina com restrição e malabsorção pouco significantes a ser posta em prática, tem seus resultados de cinco anos publicadas internacionalmente13 e já igualmente reconhecida em revisões internacionais14. Mesmo a jejunectomia segmentar, seu item mais polêmico, já é vista com outros olhos, posto que muitas centenas de casos foram operados, seus efeitos neuroendócrinos são inegáveis e na realidade ela se mostra mais segura que a própria gastrectomia vertical. Mesmo no mais alto fórum cirúrgico, discute-se o grande acúmulo de evidências de que, diante da dieta moderna, o intestino proximal excessivo atenua a preciosa resposta intestinal distal15.
Pouca dúvida fica que a Cirurgia Bariátrica no seu senso estrito se apaga (a cirurgia para o peso). A obesidade se imiscui entre outros desvios metabólicos como a diabetes tipo II, a dislipidemia e a hipertensão arterial, entre outros, e o tratamento metabólico, com instrumentos neuroendócrinos tratará a todos, diferenciando modelos para este ou aquele caso, com maior ênfase neste ou naquele aspecto. Enfim, a Cirurgia Metabólica abrangeu a Bariátrica, englobando-a.
A mensagem fundamental deste Editorial é de estímulo aos médicos, clínicos e cirurgiões, para dedicarem-se a absorver toda esta avalanche de novos conhecimentos enteroendócrinos pois este campo revolucionará nossa profissão, dado o número potencial de pacientes, tanto quanto a videolaparoscopia o fez. Esta por fantásticos avanços em tecnologia que mudaram a forma de fazer a mesma operação. Agora, na Cirurgia Neuroendócrina é o conhecimento e a compreensão que revolucionam não a forma, mas as cirurgias em si e seus intentos. Devemos colocar de lado as políticas pequenas e as diferenças de opinião para sim usá-las em colaboração, pois nitidamente o Brasil saiu adiantado nesta matéria e aqui, juntos, poderemos dar continuidade a essa revolução que reformará nosso campo de atuação.
Para as Universidades, para os pós-graduandos, para clínicos e cirurgiões em geral, e também para os pacientes estamos diante de um campo deveras magnífico.Referências Bibliográficas
1. Le Roux CW, Aylwin SJB, Batterham RL et al. Gut Hormone profiles following bariatric surgery favor an anoretic state, facilitate weight loss and improve metabolic paramenters. Ann Surg 2006; 243:108-14.
2. Meier JJ, Gethmann A, Götze O, et al. Glucagon-like peptide 1 abolishes the postprandial rise in triglyceride concentrations and lowers levels of non-esterified fatty acids in humans. Diabetologia 2006; 49: 452_458.
3. Santoro S, Velhote MC, Mechenas ASG, et al. Laparoscopic adaptive gastro-omentectomy as an early procedure to treat and prevent the progress of obesity. Rev Bras Videocir 2003; 1(3): 96-102.
4. Sleeve gastrectomy as a bariatric procedure. Position Statement of ASMBS. Surg Obes and Relat Dis 2007; (3):6, 573-662.
5. Hansen E, Hajri T, Abunmrad NN. Is all fat the same? The role of fat in the pathogenesis of metabolic syndrome and type 2 diabetes mellitus. Surgery 2006; 139(6) 711-6.
6. Velhote MCP. Tratamento cirúrgico da obesidade na adolescência: resultados iniciais. [Tese _ Livre-Docência], São Paulo: Faculade de Medicina da Universidade de São Paulo; 2007.
7. Santoro S, Malzoni CE, Velhote MCP, et al. Digestive Adaptation with Intestinal Reserve: A neuroendocrine-based procedure for morbid Obes Surg. 2006; 16(10):1371-79.
8. Santoro S, Velhote MC, Malzoni CE et al. Digestive Adaptation with Intestinal Reserve: A new surgical proposal for morbid obesity. Rev Bras Videocir 2004; 2(3): 130-8.
9. Milléo FQ. Estudo comparativo de duas técnicas cirúrgicas para o tratamento de Obesidade: Capella e Santoro II sobre o peso, IMC e trigliceridemia periférica.[Dissertação - Mestrado], Curitiba: Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Paraná; 2005.
10. Milléo FQ. Estudo do impacto da Entero-omentectomia Adaptativa no tratamento da Diabetes tipo II.[Tese - Doutorado], Curitiba: Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Paraná; 2007.
11. Mason EE. Ileal transposition and enteroglucagon/GLP-1 in obesity (and diabetic?) surgery. Obes Surg. 1999;9(3):223-8.
12. de Paula AL, Macedo AL, Prudente AS et al. Laparoscopic sleeve gastrectomy with ileal interposition ("neuroendocrinebrake")pilot study of a new operation. Surg Obes Relat Dis. 2006;2(4):464-7.
13. Santoro S, Milleo FQ, Malzoni CE et al. Enterohormonal changes after Digestive Adaptation: Five-year results of a surgical proposal to treat obesity and associated diseases. Obes Surg. 2008; 18(1): 17-26.
14. Saber AA, Elgamal MH, McLeod MK. Bariatric Surgery: The Past, Present, and Future. Obes Surg. 2008; 18(1): 121-28.
15. Santoro S. Is the Metabolic Syndrome a disease of the foregut? Considering the modern refined diet, there is great evidence of excessive proximal bowel. Ann Surg, in press.Endereço para correspondência
SERGIO SANTORO
E-mail: sergio@santoro.med.br