Órgão Oficial de Divulgação Científica da
Sociedade Brasileira de Videocirurgia

ISSN: 1679-1796
ANO 5 Vol.5  Nº 3 -Jul/Set 2007

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Diverticulo de Meckel e Anemia Crônica: O Papel da Videolaparoscopia

Meckel's Diverticulum and Chronic Anaemia: The Role of Videolaparoscopy

Rafael Omar Giovanardi, Henrique João Giovanardi, Gustavo Fiedler, Luciana Luchese Tonetto


Departamento de Clínica Cirúrgica da Universidade de Caxias do Sul e Serviço de Cirurgia Geral do Hospital Geral/UCS de Caxias do Sul



O divertículo de Meckel é a anomalia congênita mais comum do aparelho digestivo, a qual resulta do fechamento incompleto do ducto onfalomesentérico. É geralmente assintomático e o diagnóstico pode ser difícil, especialmente em pacientes adultos, onde muitas vezes é realizado durante o intra-operatório. Estudos mostram que complicações ocorrem em cerca de 4% dos casos, dentre elas obstrução, diverticulite, hemorragia, intussuscepção e perfuração. A anemia crônica é uma complicação incomum e poucos relatos existem na literatura. Descrevemos o caso de um paciente que vinha sendo investigado há dois anos por história de dores abdominais recorrentes e anemia crônica refratária a tratamento. Após a realização de exames de imagem, apenas o estudo de trânsito intestinal evidenciou um divertículo em intestino delgado. Procedeu-se à ressecção videolaparoscópica do divertículo. O paciente apresenta-se atualmente em bom estado geral e com normalização dos exames laboratoriais.

Palavras-chave: Divertículo de Meckel, Videolaparoscopia, Anemia Crônica.

The Meckel's diverticulum is the digestive system's most common congenital anomaly which results from the omphalomesenteric duct's incomplete closing. It's generally asymptomatic and the diagnostic might be difficult, specially in adult patients. That's why the diagnostic used to be done at intra-operator process. Research shows troubles like obstructions, diverticulitis, haemorrhage, intussusception and perforation, might occur in 4 % in the cases. The chronic anaemia is an unusual complication and just a few reports can be found in the world's literature.  We described the case from a patient who had been being investigated for 2 years due related abdominal's pains and chronic anaemia unmanageable to treatment. After the exams have taken place, only the intestinal transit evidenced a diverticulum in the small intestine.Then, the patient was underwent to diverticulum's videolaparoscopic ressection and few days later was performed a laparotomy for intestinal obstruction treatment. The patient realizes a healthy state all around, as a result of normal laboratory exam results.

Key words: Meckel's Diverticulum, videolaparoscopy, Chronic anaemia.


Giovanardi R.O., Giovanardi H.J., Fiedler G., Tonetto L.L. Diverticulo de Meckel e Anemia Crônica: O Papel da Videolaparoscopia. Rev bras videocir 2007;5(3):134-138.

Recebido em 04/10/2007

                                                              


Aceito em 09/10/2007




A

divertículo de Meckel é a anomalia congênita mais comum do aparelho digestivo e resulta do fechamento incompleto do ducto onfalomesentérico. É geralmente assintomático e o diagnóstico pode ser difícil, especialmente em pacientes adultos, onde muitas vezes é realizado durante o intra-operatório1, 2. Apresenta complicações em cerca de 4% dos casos, incluindo obstrução, diverticulite, hemorragia, intussuscepção e perfuração3. A anemia crônica é uma complicação incomum e poucos relatos existem na literatura4.
   No presente trabalho relatamos o caso de um paciente com anemia crônica e dor abdominal recorrente devido a um divertículo de Meckel, no qual a vídeo-laparoscopia mostrou seu papel diagnóstico e terapêutico.

RELATO DE CASO

Homem, 33 anos, com quadro de dor abdominal e anemia crônica em investigação há dois anos. Os exames laboratoriais demonstravam hemoglobina de 8,0 g/dl e ferritina < 10 ng/ml. A anemia foi refratária ao tratamento com Sulfato Ferroso (Noripurum®). O paciente foi submetido à endoscopia digestiva alta e colonoscopia com biópsia do íleo distal, ambos apresentando resultados normais. A tomografia computadorizada de abdômen não identificou alterações nos órgãos intra-abdominais. Além disso, a biópsia medular descartou causa hematológica. Assim, realizou-se posteriormente um trânsito intestinal, o qual evidenciou a presença de divertículo de Meckel com afilamento do íleo distal e alças intestinais dilatadas. (Figura-1)

Figura 1- Estudo de Trânsito Intestinal: em seta, observa-se Divertículo de Meckel concomitante com afilamento de íleo distal.


   Com base nestes achados, o paciente foi submetido à abordagem laparoscópica com a utilização de quatro trocateres. Durante a inspeção da cavidade abdominal, identificaram-se múltiplas aderências intestinais, as quais foram desfeitas com auxílio de tesoura coaguladora 23x5mm (ULTRACISION Endoscópica) até a identificação do divertículo de Meckel. (Figura-2) A secção deste foi feita com auxílio do endogrampeador linear cortante 45 mm endoscópico. O procedimento teve uma duração de 90 minutos. (Figura-3)

Figura 2- Identificação de Divertículo de Meckel para ressecção.


Figura 3- Secção completa de Divertículo de Meckel com auxílio de endogrampeador linear cortante.


   Entre o sétimo e décimo dia de pós-operatório o paciente apresentou quadro de obstrução intestinal sendo novamente submetido à laparoscopia. Observou-se a presença de grande distenção de alças, o que impossibilitou a realização do tratamento laparoscópico. Diante disso, o paciente foi submetido a uma laparotomia com incisão mediana infra-umbilical e lise das aderências.
   O paciente teve boa evolução pós-operatória, recebendo alta cinco dias após a laparotomia. O resultado do anatomopatológico da amostra do intestino delgado confirmou a presença de divertículo de Meckel sem mucosa ectópica.
   Passados nove meses desse procedimento, o paciente apresenta-se em bom estado geral, sem queixas álgicas, com hemoglobina de 13,3g/dl, ferro sérico de 100 µg/dl e ferritina de 18 ng/ml.

DISCUSSÃO

O Divertículo de Meckel ocorre em aproximadamente 2% da população2, 5, sendo mais freqüente no sexo masculino (3:1)2,6. É resultado da falha do fechamento do ducto onfalomesentérico ou vitelino entre a 5ª e 7ª semana de gestação e se localiza na borda anti-mesentérica do íleo, geralmente a cerca de 100cm da válvula ileocecal5.
   A incidência de mucosa ectópica no divertículo, derivada de células pluripotentes que revestem o ducto vitelino varia de 15 a 50%. A mais comumente encontrada é a mucosa gástrica (mais de 60% dos casos), a mucosa pancreática é encontrada em cerca de 16%, por outro lado, uma combinação das duas em 5-12% dos casos. Outros tipos de mucosa incluem biliar, colônica e duodenal.2, 6
   A maioria dos pacientes com divertículo de Meckel é assintomática, e apenas 25% torna-se sintomática. Dos pacientes sintomáticos, 4% apresentarão complicações do DM se tiverem menos de 20 anos de idade ,2% entre 20 e 40 anos e inferior a 0,5% em maiores de 40 anos 1, 5, 7. Em recente revisão com 1476 pacientes, 84% destes eram assintomáticos e as condições mais comumente associadas com divertículo sintomático foram: idade menor que 50 anos, sexo masculino, divertículo maior que 2cm e a presença de tecido ectópico6.
   Complicações por divertículo de Meckel podem ocorrer em 4 a 6% dos casos, sendo as mais comuns: sangramento, obstrução e inflamação1, 5. Em crianças, a complicação mais comum é o sangramento, enquanto que em adultos é a obstrução intestinal2. A hemorragia comumente decorre da ulceração da mucosa ileal adjacente, provocada pela produção ácida proveniente da mucosa gástrica ectópica, e resulta em hematoquezia ou melena8.Todavia outra forma não usual, é a hemorragia crônica, que por vezes é acompanhada de períodos de remissão, manifestando-se apenas com dores abdominais e anemia ferropriva 1, 5, 8. Há poucos relatos na literatura sobre o divertículo de Meckel apresentando-se com dores abdominais e esta forma crônica de anemia3, 4, 9.
   Apesar da disponibilidade e do grande uso de modernas técnicas por imagem, o diagnóstico pré-operatório do divertículo de Meckel é, muitas vezes, difícil de estabelecer. Isso porque os sinais e sintomas mimetizam doenças do dia a dia, apresentando-se desde um quadro clínico silencioso, como nas hemorragias crônicas, a quadros de abdômem agudo.10
   Os estudos de transito intestinal seriado com bário têm valor diagnóstico limitado. A incapacidade de distenção adequada, de separação das alças intestinais e de falhas na visualização de pregas mucosas do íleo distal é comum. Por outro lado, a enteróclise, um aperfeiçoamento do exame de transito comum, através da entubação e da infusão contínua de contraste, possibilita uma distenção moderada dos segmentos suspeitos, bem como uma fluoroscopia intermitente durante o exame. Contudo, as vantagens da enteróclise são contra-balanceadas pelo desconforto do paciente e à exposição contínua à radiação. Ambas as técnicas têm valor diagnóstico em apenas 60% dos divertículos de Meckel11, 12.
   O papel da TC é geralmente de pouco valor no diagnóstico. Isso se deve à impossibilidade de distinção do divertículo de Meckel das alças intestinais. Caso o divertículo localize-se junto à região umbilical e/ou estiver em processo isquêmico, o diagnóstico pode ser suspeitado pela visualização de uma massa de média densidade aderida à alça intestinal11, 13.
   A cintilografia com Tecnésio radioativo(Tc99m), usada para detectar mucosa gástrica ectópica é uma das opções diagnóstica5. Em adultos, apresenta uma sensibilidade de 62,5% uma especificidade de 9%, com um valor preditivo positivo de apenas 60%6, 14.A arteriografia pode ser um outro exame auxiliar no diagnóstico. Geralmente é indicada em hemorragias gastrintestinais ativas ou em episódios limitados. Entretanto, apresenta-se positiva em apenas 62% dos divertículos de Meckel complicados6. Assim, para alcançar uma boa acurácia no diagnóstico é necessária a combinação de vários estudos, o que acaba por elevar o custo e prolongar o diagnóstico2.
   Dado o aumento da popularidade das cirurgias minimamente invasivas, estudos recentes sugerem que a laparoscopia é uma alternativa segura e eficiente tanto para estabelecer diagnóstico em casos duvidosos, quanto para o tratamento definitivo do divertículo de Meckel sintomático1, 2. A abordagem laparoscópica tem a vantagem de ter um acesso menos traumático, curto tempo de hospitalização, rápida recuperação e menos dor pós operatória que a cirurgia aberta15.
   Seguindo os desenvolvimentos recentes dos instrumentos grampeadores, a ressecção laparoscópica tangencial com uma incisão linear e grampeamento instrumental além da linha de base do divertículo têm sido viável16, 17.Em casos duvidosos, particularmente aqueles com lúmem intestinal estreito, uma formal ressecção do segmento intestinal após a confirmação laparoscópica representa uma alternativa terapêutica segura. Após o procedimento, o cirurgião deve sempre inspecionar a peça retirada para assegurar a ressecção completa da mucosa ectópica.O congelamento da peça para análise histopatológica pode ser útil18.
   A ressecção laparoscópica do DM sintomático está claramente indicada. No entanto, os casos assintomáticos, encontrados incidentalmente, ainda são muito discutidos. Sanders et al. sugere a remoção laparoscópica somente em casos de DM grandes(>5cm) ou que tenham bordas com risco de torção19. Outros autores, porém, afirmam que devem ser ressecados desde que as chances de complicações cirúrgicas sejam baixas (~4%)20.
   Portanto, não há dúvida de que o divertículo de Meckel, quando sintomático, deve ser retirado cirurgicamente. Com poucas exceções, a ressecção laparoscópica mostrou-se segura, custo-efetiva e uma técnica menos invasiva que a laparotomia tradicional.2,19-21.Todavia, ainda há controvérsia em casos de divertículos descobertos incidentalmente ou sem sintomatologia.

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