Órgão Oficial de Divulgação Científica da
Sociedade Brasileira de Videocirurgia

ISSN: 1679-1796
ANO 5 Vol.5  Nº 3 -Jul/Set 2007

<<  Arquivo PDF  >>


Reação Tecidual Associado ao Implante de Tela de Poliglactina 910 em Camundongos: Estudo Histopatológico com Parâmetros Imunohistoquímicos

Tissue-Implant Reaction Associated with Poliglactin 910 Mesh in Mice: Histophatologic Study with Immunohistochemical Parameters

Renato Andretto, Luiz Celso Mattosinho França, Hernán Escobar Torrico, Ricardo Gomes Camacho


Trabalho realizado no Serviço de Cirurgia Experimental do HSPE-IAMSPE



A presente investigação visa avaliar os efeitos da aplicação de tela de poliglactina 910 (Vicryl®) região torácica de 27 camundongos, estudando a reação inflamatória promovida pela mesma sobre as estruturas biológicas. Foi empregada coloração convencional através de hematoxilina-eosina, reticulina e tricrômio de Masson. Imunohistoquímica foi usada para estudar os macrófagos (CD68) e músculo liso (HHF35 e desmina). Todos os cortes foram examinados sob luz polarizada. Reação inflamatória aguda foi observada nos 3 primeiros dias, seguido por formação de proliferação histiocitária e progressiva reação tipo corpo estranho (granulomas) no tempo restante analisado. Observa-se desaparecimento das estruturas da tela no período após 120 dias. Conclui-se que a tela de poliglactina 910 não constitui material inerte. O presente estudo demonstra que a tela de poliglactina 910 é absorvida precocemente e, progressivamente, envolvida por reação tipo corpo estranho.

Palavras-chave: Telas cirúrgicas, Poliglactina 910, Imunohistoquímica, Granuloma de corpo estranho, Patologia clínica.

The present investigation studies the surgical application of polyglactin 910 (Vicryl®) mesh in thoracic wall of 27 mice. The histologic examination used conventional hematoxiline-eosin, reticulin and Masson stains. Immunohistochemistry was used to study macrophages (CD68) and smooth muscle (HHF35 and Desmin). All sections were examined also under polarized light. Acute inflammation was observed in the first three days, followed by progressive foreing body reaction in the remainder of the study. Mesh structures disappear in 120 days. Polyglactin mesh does not consist inert material. The present material shows that polyglactin 910 mesh is absorbed being, progressively, circunscribed by foreing body reaction.

Key words: Surgical Mesh, Polyglactin 910, Immunohistochemistry, Foreign-body granulomas, Clinical Pathology.


Andretto R., França L.C.M. França, Torrico H.E., Camacho R.G. Reação Tecidual Associado ao Implante de Tela de Poliglactina 910 em Camundongos: Estudo Histopatológico com Parâmetros Imunohistoquímicos. Rev bras videocir 2007;5(3):128-133.

Recebido em 01/07/2007

                                                              


Aceito em 09/07/2007




A

presente investigação científica tem por objetivo estudar os efeitos da aplicação de telas assim consideradas absorvíveis sintéticas, compostas na sua totalidade de fios sintéticos e multifilamentares de Poliglactina 910, cuja arquitetura configura tela definida por macroporos.
   Em se tratando de fios absorvíveis sintéticos, multifilamentares, leva-se em consideração que estes elementos podem se apresentar de diferentes calibres, também na confecção das telas. Suas malhas, da mesma maneira têm porosidades de diferentes dimensões.
   Estruturas sintéticas com calibres variáveis são selecionadas de acordo com a região que irão sustentar, assim como com a tensão ou trauma mecânico, seja por distensão ou mesmo por pressão de sustentação.
   Na fabricação das telas sintéticas, é necessário que sejam definidas medidas padrões para que se possam estabelecer o envolvimento da dependência (envolvimento e integração) do biomaterial. A fim de avaliar os tipos de reações celulares e histológicas, sugere-se um amplo estudo anatomopatológico.
   A intensidade e a duração dessas reações podem estar condicionadas a um equilíbrio precário entre o elemento estranho e o hospedeiro, restrita ao sítio de contato, e assim não determinar reações sistêmicas.
   Teoricamente as telas constituídas por fios sintéticos, multifilamentares, absorvíveis devem traduzir reações inflamatórias locais de pouca expressão histológica. Sua biocompatibilidade deve, portanto, deve ser relacionada a parâmetros estabelecidos pela sua reação histológica.
   Acreditando que as alterações histológicas podem se modificar de acordo com as diferentes regiões anatômicas, testou-se experimentalmente o referido biomaterial em diferentes regiões. Assim, são analisadas as reações locais onde os parâmetros anatomopatológicos, de observação e quantificação, obedecem a uma investigação seqüencial ligada ao tempo de evolução, a partir da aplicação cirúrgica desta tela.

MATERIAIS E MÉTODOS


Animais
Na presente investigação foram utilizados camundongos machos albinos da raça Swiss, procedentes do biotério do Instituto Adolfo Lutz, São Paulo, com peso estimado em aproximadamente 40 gramas. Os animais foram tratados, durante todo o experimento, de acordo com a legislação brasileira vigente (Leis n.º 6.638 de 1979 e nº 9.605 de 1998), normas internacionais sobre experimentação animal, princípios éticos adotados pelo Colégio Brasileiro de Experimentação Animal (COBEA) e princípios básicos do código internacional (International Guiding Principles for Biomedical Research Involving Animals, 1985). Receberam ração Labina (Purina do Brasil, Ltda) a cada 12 horas e água ad libitum e foram acondicionados em gaiolas coletivas. As cirurgias foram realizadas no laboratório do Serviço de Cirurgia Experimental do HSPE-IAMSPE.

Biomaterial
Telas de Poliglactina 910 (Vicryl®, Ethicon Inc., EUA) estéreis, na medida aproximada de 5x5mm, foram empregadas.

Anestésico
O anestésico administrado foi o Zoletil 50 (Virbac do Brasil Indústria e Comércio Ltda, São Paulo, SP), uma associação de cloridrato de Tiletamina 125mg, cloridrato de Zolazepam 125mg, na dosagem de 0,1ml diluído em 0,9ml de água destilada.

Histopatológico
O material colhido foi fixado em formalina a 10% e processado histologicamente com inclusão em parafina, cortes histológicos de 5 micra. As colorações empregadas foram hematoxilina-eosina, reticulina, Giemsa, tricrômico de Masson. Testes imunohistoquímicos foram também empregados.

Captura de Imagens
A microscopia foi realizada em fotomicroscópio Zeiss (Carl Zeiss Oberkuchen, Alemanha) com acessório para polarização, acoplado a câmara de televisão (Samsung SDC 312, conectado a microcomputador AMD SEMPRON, com placa de captura de imagem Brooktree Bt 848 (Zoltrix, EUA).

Metodologia
No estudo foram operados 27 animais divididos em 2 grupos conforme o tempo de observação de resposta inflamatória, divididos da seguinte maneira:
Grupo A (inflamação aguda) - constituído de 6 grupos de 3 animais cada (total de 18 animais), observados no período que variou de 24 horas até 30 dias para necropsia e anatomia patológica;
Grupo B (inflamação crônica) - constituído de 3 grupos de 3 animais cada (total de 9 animais), observados no período de 60 a 120 dias para necropsia e anatomia patológica.
   Os animais receberam a sigla CTV (C- Camundongos, T- Tela, V- Vicryl), divididos nos grupos estudados.

Técnica Cirúrgica
Os animais foram operados sob anestesia geral através de administração de Zoletilâ, administrado por via intramuscular, em membro pélvico, na dose descrita.
   Realizado a assepsia com iodopovidona 10% solução alcoólica aplicada na região dorsal. A incisão foi feita na linha mediana dorsal torácica, atingindo aproximadamente 10 mm, interessando pele, tecido celular subcutâneo até alcançar a aponeurose. Realizada dissecação no plano entre a aponeurose e a musculatura torácica, à esquerda da linha mediana. Através desta incisão, no plano entre a aponeurose e a musculatura foi colocada a tela de poliglactina 910 (medindo 5x5mm), sendo fixada com pontos de fio de polipropileno 4-0, usando o mesmo fio para o fechamento da pele em pontos separados.

Tempo de Observação Pós-Operatório
Após serem submetidos à intervenção cirúrgica, os animais foram colocados em gaiolas separadas, identificadas de acordo com o grupo de inflamação: aguda ou crônica.
   O grupo A recebeu a designação de CTV constituída do número 1 a 18, enquanto os animais para o grupo B foram identificados de CTV de 19 a 27.
   O tempo de observação para o grupo A foi: 24 horas, 3 dias, 5 dias, 14 dias e 30 dias. Para o grupo B foi de 60 dias, 90 dias e 120 dias (3 animais para cada período observado).
   A alimentação dos camundongos foi reiniciada imediatamente após a recuperação anestésica, sendo administrada a cada 12 horas com ração Labina (Purina do Brasil, Ltda _ São Paulo) e água ad libitum.

Eutanásia e Retirada das Peças
A eutanásia foi realizada através do emprego de éter, cada animal distante dos demais, sendo a peça retirada de imediato, constituída de pele, tecido celular subcutâneo, aponeurose, tela e músculo torácico (até gradil costal), com margem de segurança ampla.
   As peças foram colocadas em frascos individuais e identificadas, com formaldeído a 10%, rotuladas com as siglas CTV e respectivos números, e encaminhadas ao estudo histopatológico.

Método de Coloração
Após fixação, o material coletado foi submetido à inclusão em parafina. Os cortes foram corados pelas técnicas de hematoxilina-eosina, reticulina, Giemsa e tricrômico de Masson.
   Os estudos imunohistoquímicos foram realizados em lâminas salinizadas pela técnica de streptoavidina-peroxidase. Foram usados os seguintes anticorpos: 1) CD 68 para identificação de macrófagos (anticorpo monoclonal, clone KP1, DAKO, título 1:100); 2) HHF-35, para identificação de actina de músculo (clone HHF35, DAKO, título 1:300); 3) Desmina, para identificação de músculo liso (anticorpo monoclonal, clone D33, DAKO, título 1:100).

RESULTADOS

Análise Histopatológica
As peças obtidas dos animais dos grupos A e B, de acordo com os períodos programados, foram analisadas através da avaliação histopatológica com emprego de coloração de hematoxilina-eosina e emprego de luz polarizada com colorações específicas, encontrando-se os seguintes dados:

Grupo A
Em 24 horas: foi observado na microscopia óptica e com o emprego de luz polarizada discreta reação inflamatória, fragmento de tela no interior da cavidade de material amorfo circundada por fibrina e neutrófilos (bolsa de neutrófilos), além do tecido adjacente com edema e exsudação de neutrófilos. Encontrou-se exsudação intensa com microfilamentos birrefringentes no interior do exsudato, invisíveis a hematoxilina-eosina (Figura-1).

Figura 1- CTV 2: Luz polarizada - Inflamação aguda, filamentos birrefringentes. (aumento 100X)


·3o dia: foi encontrada a tela no interior das cavidades, reação inflamatória aguda e proliferação histiocitária focal em músculo estriado. Presença de úlcera na pele com exsudato inflamatório e cavidade contendo o exsudato inflamatório, com intensa quantidade de fibras birrefringentes e presença de mastócitos (Figura-2).

Figura 2- CTV 4: Reação granulomatosa ao redor de filamentos. (aumento 100X)


·5o dia: observou-se que a tela no interior da cavidade apresentava discreta reação inflamatória aguda predominantemente reação histiocitária. Havia células gigantes tipo corpo estranho ao redor de microfilamentos que são abundantes (multinucleares). Não havia formações birrefringentes a hematoxilina-eosina. No uso de luz polarizada, houve intensa quantidade de fibras birrefringentese presença de mastócitos.
·7o dia: presença de grande quantidade de células gigantes (bolsa de células gigantes), com numerosos filamentos birrefringentes em meio a material fibrinoso, com intensa reação histiocitária e exsudação inflamatória. Houve presença de tela em grande quantidade, além de aumento de mastócitos e regeneração epitelial (Figura-3).

Figura 3- CTV 10: Luz polarizada - Filamentos birrefringentes em meio de reação granulomatosa. (aumento 100X)


·14o dia: presença de proliferação histiocitária intensa, com numerosos microfilamentos e presença de células gigantes em grande quantidade, além de presença de moderada quantidade de fibroblastos.Encontrou-se moderada quantidade de histiócitos e evolução para grande quantidade de mastócitos (Figura-4).

Figura 4- CTV 14: Luz polarizada - granuloma. (aumento 100X)


·30o dia: zona de fibroblasto abaixo do tecido muscular estriado. No meio da fibrose presença de células gigantes tipo corpo estranho e raras fibrilas (fios). No derma observa-se foco de calcificação, não havendo fibras refringentes remanescentes. Há presença de grande quantidade de mastócitos.

Grupo B
60o dia: na pele, tecido celular subcutâneo não há evidência de fibrose, sem infiltrado inflamatório crônico no derma e tecido celular subcutâneo. Porém abaixo do tecido muscular estriado há discreta fibrose, com nódulos fibróticos isolados e reação inflamatória crônica. Não há material birrefringente e sim resto de granuloma de corpo estranho, com cavidade desprovida de conteúdo - bolsa de células gigantes com discreta quantidade de mastócitos e fibroblastos (Figura-5).

Figura 5- CTV 20.2: Filamentos em meio a reação granulomatosa. (aumento 100X)


·90o dia: microfocos de grânulos calcificados, além de escassa quantidade de células tipo corpo estranho (bolsa de células gigantes em pequena quantidade), com poucos focos de fibrose. Há presença de grande quantidade de mastócitos, moderada para grande quantidade de fibroblastos. No derma encontramos histiócitos, células gigantes, demonstrando reação inflamatória crônica (Figura-6).

Figura 6- CTV 22: Reação inflamatória periférica. (aumento 100X)


·120o dia: houve presença de discreta fibrose perivascular com nódulos fibróticos, com raras células gigantes com calcificação (não há grânulos), além de inflamação crônica. Moderada quantidade de mastócitos e fibroblastos.

Achados Histológicos e Imunohistoquímicos
A coloração pelo CD68 mostrou positividade em histiócitos e células gigantes em todos em todos os casos, após a fase exudativa. As colorações pela Desmina e HHF-35 não forneceram resultados relevantes, não havendo demonstração de proliferação de músculo liso.

DISCUSSÃO

Comparado aos estudos de Spector e cols1-7, a análise quantitativa da emigração de leucócitos na inflamação granulomatosa, encontra coerência. Foi observado ao 3o dia a presença de vacúolo central com infiltração histiocitária e de macrófagos, típicos de processo inflamatório rápido, semelhante ao estudo acima citado. Nos dias 5 e 7 houve extensa infiltração de infiltração histiocitária, semelhantes ao encontrado nos estudos de Spector1. Ao 14o. dia observamos o início de células de inflamatórias crônicas, também relatado em outros trabalhos8-10. Na evolução crônica, observamos uma redução importante de polimorfonucleares e aumento de mastócitos, o que corresponde à cicatrização crônica.
   Fibrose e proliferação mastocitária e fibroblástica também foram identificadas. Entre o 14o e o 30o dia houve desaparecimento de material birrefringente, o que sugere ter ocorrido uma provável absorção de todo o material além de cronificação da reação de corpo estranho.

CONCLUSÕES

Existe reação de corpo estranho provocada pela tela de poliglactina 910, tanto na fase aguda quanto na crônica, não havendo presença de calcificação. Porém, notam-se focos de fibrose.
   No período entre o 14o e 30o dia verificou-se a absorção da tela, restando apenas tecido cicatricial. Estes dados podem sugerir que a cicatriz tecidual, mesmo reforçada pela tela, poderá não resistir à tensão e pressão advindas das estruturas anatômicas intra-abdominais.

Referências Bibliográficas

1. Spector W.G. The acute inflammatory response. Ann. N.Y. Acad. Sci 1964;116:749.
2. Spector W.G., Willoughby D.A.. Vasoactive amines in acute inflammation. Ann NY Acad Sci 1964;116:839-846.
3. Spector W.G et al. A quantitative study of leucocyte emigration in chronic inflammatory granulomatosis. Journal Path Bact 1967;93:101.
4. Spector W.G.. The cytokinectics of chronic inflammation. Sciences Basis Med. Ann. Rev. 1967;163.
5. Spector W.G.. The granulomatous inflammatory exsudate. Int Rev Exp Pathol 1969;8:1-55.
6. Spector W.G. Recent advances in the study of leucocyte emigration. Br J Dermat 1969;81:Suppl 3:19-27.
7. Willoughby D.A., Spector W. G. The lymph node permeability factor: a possible mediator of the delayed hypersensitivity reaction. Ann NY Acad Sci 1964;116:874.
8. Rosch R., Junge K.,Schachtrupp A., Klinge U., Klosterhalfen B., Schumpelick V.. Mesh implants in hernia repair. Inflammatory cell response in a rat model. Eur Surg Res 2003;35(3):161-166.
9. Klinge U., Klosterhalfen B., Brikenhanuer V, Junge K., Conze J., Schumpelick V.. Impact of polymer pore size on the interface scar formation in a rat model. J Surg Res 2002;103(2):208-214.
10. Laschke M.W., Häufel J.M., Thorlacius H., Menger M.D. New experimental approach to study host tissue response to surgical mesh materials in vivo. J Biomed Mater Res Pt A 2005;74(4):696-704.

Endereço para correspondência

RICARDO GOMES CAMACHO
R. Jaboticabal n.o 71 apto 42
Mooca - São Paulo-(SP) - Brasil
CEP: 03188-000
E-mail: ricardocamacho@ig.com.br