Órgão Oficial de Divulgação Científica da
Sociedade Brasileira de VideocirurgiaISSN: 1679-1796
ANO 5 Vol.5 Nº 3 -Jul/Set 2007<< Arquivo PDF >>
Influência das Aderências Peritoniais na Evolução Clínica Pós-operatória da Colecistectomia Videolaparoscópica
Influence of Peritoneal Adherences in Postoperative Evolution of Laparoscopic Cholecystectomy
DiseaseValdemir José Alegre Salles, Alexandre Marotta, Carla Arantes Bertolucci, Gilberto Chavarria, Maria Angélica Carneiro da Cunha, Maria Claudia Nogueira Affonso, Paula Gonçalves Perches, Simone de Lima Silva
Hospital Universitário da Universidade de Taubaté, São Paulo
Objetivo: Comparar a evolução clínica pós-operatória da colecistectomia laparoscópica em pacientes que foram submetidos à operação abdominal prévia (grupo I) com um grupo de pacientes sem cirurgia prévia (grupo II). Método: Análise retrospectiva da evolução clínica pós-operatória de 20 pacientes submetidos à colecistectomia videolaparoscópica portadores de cirurgia abdominal prévia, no período de janeiro de 2005 a setembro de 2006, comparando-os com grupo controle não submetidos à cirurgia prévia. Resultados: Não foram observadas diferenças na evolução clínica, quanto à presença de vômitos, período de realimentação, o restabelecimento do trânsito intestinal e o período de internação hospitalar, entre os grupos com ou sem cirurgia prévia. Conclusão: Os resultados sugerem que a cirurgia abdominal prévia não é uma contra-indicação para a colecistectomia videolaparoscópica.
Palavras-chave: Colecistectomia laparoscópica, Cirurgia abdominal prévia, Aderências, Parede abdominal.
Objectives: This study aimed at analizing the videolaparoscopic cholecystectomy clinical evaluation in patientes submmited (group I) and not submmited (group II) to previous abdominal surgery. Methods: Medical records of 20 patientes undergone videolaparoscopic cholecystectomy, with previous abdominal surgery between January 2005 and September 2006 were analized in comparison with a control group without previous surgery. Results: No significant differences were observed in clinical evaluation in relation to vomits, refeeding period, return of intestinal movements and hospital stay, between groups with and without previous surgery. Conclusion: The results suggests that previous abdominal surgery is not a contraindication for videolaparoscopic cholecystectomy.
Key words: Laparoscopic cholecystectomy, Previous abdominal surgery, Adhesions, Abdominal wall.
Salles V.J.A., Marotta A., Bertolucci C.A., Chavarria G., Cunha M.A.C., Affonso M.C.N., P.G. Perches, Silva S.L. Influência das Aderências Peritoniais na Evolução Clínica Pós-operatória da Colecistectomia Videolaparoscópica. Rev bras videocir 2007;5(3):117-120.
Recebido em 25/10/2007
Aceito em 17/11/2007
surgimento de aderências na cavidade peritoneal, envolvendo os diversos seguimentos do trato digestório, está freqüentemente relacionado à realização de operações prévias, tendo como principais fatores etiológicos o traumatismo mecânico, a lesão térmica, a infecção, a isquemia tecidual e a presença de material estranho, tornando a re-intervenção cirúrgica mais complexa, determinando um aumento da morbi-mortalidade pós-operatória.1 O emprego de uma técnica cirúrgica adequada e meticulosa, com um mínimo de traumatismo visceral, pode reduzir a formação das aderências peritoneais.2 Entretanto, sabe-se que o seu desenvolvimento não tem relação direta com o número de operações realizadas.3
Estas observações motivaram os autores a desenvolver um estudo retrospectivo com o objetivo de avaliar a evolução clínica pós-operatória imediata e mediata de doentes submetidos à colecistectomia por videolaparoscopia, portadores de laparotomia infra-umbilical prévia, analisando o período de realimentação, a ocorrência de vômito, o restabelecimento do trânsito intestinal e o período de internação hospitalar.
PACIENTES E MÉTODOS
Foram analisados retrospectivamente os prontuários de 40 pacientes, no período de janeiro de 2005 a setembro de 2006, selecionados para a análise conforme fatores de inclusão e exclusão adotados e após a aprovação da Comissão de Ética Médica do Hospital Universitário da Universidade de Taubaté.
A amostra foi assim constituída:
- Grupo 1: vinte pacientes com laparotomia prévia mediana infra-umbilical, dos quais quinze haviam realizado cirurgia ginecológica e cinco a operação cesariana; e
- Grupo 2: por um grupo controle composto de vinte pacientes que não apresentavam operação prévia.
Os doentes portadores de colelitíase sintomática, foram selecionados de maneira consecutivas e aleatórias, sendo classificados segundo o grau do risco cirúrgico em estádio clínico I ou II, sem diferença entre os grupos. Não houve distinção quanto à faixa etária e o número de laparotomias prévias que um mesmo doente pudesse apresentar. Não foram incluídos doentes submetidos à operação abdominal prévia envolvendo o andar supra-mesocólico, devido à freqüência relativamente baixa deste grupo populacional, naquele período de estudo.
Variáveis e Análise Estatística
Na análise estatística dos dados coletados foi aplicado o Teste Exato de Fisher, e fixou-se em 0,05 ou 5% (a £ 0,05) o nível para rejeição da hipótese de nulidade.
O estudo considerou apenas a evolução clínica até o primeiro dia de pós-operatório, visto ser o período em que mais de 80% dos pacientes receberam alta, em ambos os grupos. As variáveis consideradas para análise comparativa foram: ocorrência de vômitos, início da realimentação, tempo de internação, restituição da peristalse. Não foram consideradas as diferenças quanto ao controle clínico e medicação administrada.
RESULTADOS
Quanto à idade, observou-se que faixa etária predominante, esteve situada no intervalo de 50 a 60 anos nos dois grupos.
A ocorrência de vômito no período pós-operatorio não foi observada em 70,0% (14/20) nos pacientes com operação prévia, e em 75,0 (15/20) no grupo sem cirurgia durante o pós-operatório imediato, não havendo diferença estatística entre os grupos (p valor > 0,05) - Tabela-1.
Quando se analisou o momento da realimentação observou-se que a dieta foi introduzida até o primeiro dia de pós-operatório em 85,0% (17/20) nos doentes com operação prévia e em 80,0% (16/20) no grupo sem cirurgia, não havendo diferença estatisticamente significativa entre os grupos - Tabela-2.
A restituição da peristalse (presença de ruídos hidroaéreos) no período pós-operatorio foi observada até o primeiro dia de pós-operatório em 85,0% (17/20) nos doentes com operação prévia, e em 80,0% (16/20) no grupo sem cirurgia, não havendo diferença estatisticamente significativa - Tabela-3.
Quando se analisou o período de internação observou-se que 85,0% (17/20) dos doentes com operação prévia e 95,0% (19/20) do grupo sem cirurgia, tiveram alta hospitalar no primeiro dia de pós-operatório, não havendo diferença estatisticamente significativa entre os grupos, conforme descrito na Tabela-4.
DISCUSSÃO
Quando se compara o acesso laparotômico com o videolaparoscópico para a realização da colecistectomia, é observada uma significativa redução de variáveis como dor pós-operatória, tempo de permanência hospitalar, morbi-mortalidade e melhora dos parâmetros de convalescença. Fatores como obesidade, peritonite, discrasia sanguínea, gravidez, obstrução intestinal ou aderências, podem aumentar o risco de complicações4, assim como promover um aumento do índice de conversão para o método laparotômico5.
Operações realizadas principalmente no andar superior do abdômen não contra-indicam a opção pela via laparoscópica, porém estão associadas a um aumento do índice de conversão, do tempo cirúrgico, da permanência hospitalar, assim como, de infecção na ferida operatória.6 A realização de colecistectomia videolaparoscópica em pacientes previamente submetidos a laparotomia exige uma maior cautela na abordagem da cavidade peritoneal, não consistindo, entretanto, em motivo de contra-indicação para o emprego desta via.7
Aderência intra-abdominal pode ser responsável por até 80% dos casos de obstrução intestinal. Nestes casos, detecta-se a presença de alças intestinais aderidas à parede abdominal anterior em aproximadamente 63% dos casos8, fator determinante de maior risco durante a instalação do pneumoperitônio. No presente estudo 61,1% (11/18) dos pacientes com operação prévia possuía mais de uma intervenção cirúrgica anterior. A possibilidade de ocorrer aderência é, estatisticamente, a mesma entre indivíduos com uma ou mais incisões, de maneira semelhante aos doentes com incisões abdominais medianas, que apresentam mais aderências do que aqueles com incisão transversa3,9. Observa-se, entretanto, uma alta freqüência de aderência periumbilical após incisões medianas, o que enfatiza a não utilização deste local na punção abdominal às cegas.9 As pacientes eram portadoras de incisões abdominais localizadas exclusivamente na região infra-umbilical, fato que poderia determinar uma menor possibilidade de aderências supra-mesocólica. Sabendo-se, que as incisões no andar superior do abdômen estão relacionadas com uma maior formação de aderências, quando comparadas às da região inferior3, torna-se interessante o emprego do exame ultra-sonográfico abdominal no período pré-operatório imediato à cirurgia para a detecção de aderências peritoneais.10 A abordagem da cavidade peritonial, nessa situação, pode ser realizada com a inserção do primeiro trocarte no 9º espaço intercostal esquerdo.9
Não se observaram diferenças com relação à evolução dos pacientes considerando a presença de vômito, o reinício da alimentação oral, o restabelecimento do trânsito intestinal e o tempo de permanência hospitalar. As alterações da evolução pós-operatória sugerem que não há diferença quando o paciente tem operação abdominal prévia, considerando-se, entretanto, uma contra-indicação relativa à realização da colecistectomia videolaparoscópica11,12, não havendo na associação com a operação abdominal prévia e a impossibilidade do tratamento por via videolaparoscópica.6,13
Os autores concluem, com base nos resultados observados, que a evolução clínica não diferiu entre os grupos submetidos à colecistectomia videolaparoscópica, com ou sem cirurgia prévia, sugerindo que este fator não contra-indica a escolha da via laparoscópica para o procedimento.
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