Órgão Oficial de Divulgação Científica da
Sociedade Brasileira de VideocirurgiaISSN: 1679-1796
ANO 4 Vol.4 Nº 1 - Jan/Mar 2006<< Arquivo PDF >>
Neurólise Videolaparoscópica do Plexo Hipogástrico para o Tratamento da Dor Pélvica Oncológica
Videolaparoscopic Neurolysis of Hipogastric Plexus for Treatment of Pelvic Oncologic Pain
Rosilene Jara Reis, Omar Bacha, Bárbara Deboni, Diego Maestri
Serviço de Cirurgia Oncológica do Hospital Santa Rita - Complexo Hospitalar Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre, Porto Alegre, Rio grande do Sul, Brasil
A neurólise do plexo hipogástrico pode ser realizada para o tratamento de dor pélvica oncológica com resultados satisfatórios e com mínima invasão cirúrgica pela técnica videolaparoscópica. O objetivo deste trabalho é discutir a técnica e suas vantagens nestes pacientes em que o insucesso do tratamento clínico é evidente. Além de estimular que novos protocolos sejam realizados em outros centros.
Palavras-chave: Videolaparoscopia, NeurÓlise, Plexo HipogÁstrico, Dor PÉlvica OncolÓgica.
The neurolysis of hipogastric plexus through a laparoscopic approach can be performed to treat pelvic oncologic pain with satisfactory results and minimal surgical invasion. The objective of this paper is to discuss the technique and its advantages for the patients for whom the failure of clinical treatment is evident. This paper also stimulate new protocols in other centers.
Key words: Laparoscopy, Neurolysis, Hipogastric Plexus, Pelvic Oncologic Pain.
REIS RJ, BACHA O, DEBONI B, MAESTRI D. Neurólise Videolaparoscópica do Plexo Hipogástrico para o Tratamento da Dor Pélvica Oncológica. Rev bras videocir 2006;4(1): 9-12.
Recebido em 10/10/2005
Aceito em 05/03/2006
incidência e severidade da dor oncológica depende do tipo de doença maligna. A incidência da dor nos tumores genito-urinários femininos chega a atingir taxas de 78%, perdendo apenas para os tumores ósseos e de cavidade oral respectivamente. A dor pode se originar de várias formas como por exemplo, ter relação com o tumor se houver compressão ou invasão de plexo nervoso ou obstrução intestinal; ou ainda com sua terapia, como com alguns tipos de quimioterápicos ou pós procedimentos cirúrgicos 1.
As características da dor devem ser bem identificadas para a escolha adequada da terapia. A dor pode ser visceral, somática ou neuropática. Esta última é um tipo de dor de difícil tratamento com analgésicos habituais e pode responder a intervenções cirúrgicas, como a neurólise 2.
O uso da neurólise como tratamento da dor no câncer, é indicado em pacientes com dor severa ou intratável, nas quais medicações estejam esgotadas. A neurólise pode ser química, térmica ou cirúrgica1. Hoje a neurólise química está limitada ao uso do álcool ou fenol. Os resultados são os mesmos que as ressecções dos nervos, mas o seu efeito é por cerca de 3 a 6 meses. A neurólise cirúrgica do plexo hipogástrico (neurólise pré-sacral) é bem aceita e tem sido um procedimento bem indicado para as dores pélvicas crônicas associadas as neoplasias desta região, com a vantagem de poder ter maior duração.
Os nervos hipogástricos inervam as seguintes visceras: cólon descendente, fundo vaginal e vesical, reto e ovário; e a literatura demonstra taxas de 70 % de melhora destes pacientes assim tratados 3.
Nos últimos anos tem havido um decréscimo significativo das neurólises devido aos avanços da terapia medicamentosa como os antiinflamatórios, os analgésicos e os antidepressivos. Também evoluiu o tratamento oncológico como um todo (quimioterapia, radioterapia e cirurgia), aumentando a expectativa de vida deste paciente. No entanto, a neurólise parece ser uma atrativa opção no controle da dor oncológica e deve ser individualizada para os casos de dores severas e intratáveis por outros meios 2.
O tratamento cirúrgico da dor pélvica oncológica(via laparoscopia ou laparotomia) deverá ser indicado depois que todas as medidas terapêuticas medicamentosas foram esgotadas. A duração da cirurgia bem como seu risco não são muito aumentados a ponto de contra-indicar a intervenção mesmo em pacientes oncológicos terminais4. Principalmente se esta cirurgia for por videolaparoscopia que é um procedimento minimamente invasivo.
A neurólise do plexo hipogástrico não deve ser confundida com a técnica de LUNA (Laparoscopy Uterossacral Neurectomy Ablation), usada primariamente para o controle da dismenorréia grave e já abandonada pelos altos índices de recidiva e pela evolução de outras formas terapêuticas5.
No Serviço de Cirurgia Oncológica do Hospital Santa Rita, os autores optaram pela neurólise do plexo hipogástrico por videolaparoscopia, por parecer menos invasiva. Conforme a descrição do caso abaixo, o resultado analgésico pós-operatório atingido foi satisfatório como primeira experiência do grupo.RELATO DE CASO
Relato de Caso - Paciente do sexo feminino, 60 anos, branca, foi encaminhada ao serviço de cirurgia oncológica com quadro de dor pélvica crônica limitante (dificuldade de deambulação pela posição antálgica de flexão das coxas sobre a bacia óssea) por carcinoma de colo uterino avançado em medidas paliativas, sem alívio da dor com altas doses de morfina.
Foi indicada a videolaparoscopia para neurólise do plexo hipogástrico com eletrocautério bipolar com bom acesso retro-peritoneal e pré-sacral sendo o procedimento realizado sem intercorrências, com duração de 60 minutos e boa evolução pós-operatória.
No segundo dia a paciente recebeu alta deambulando normalmente e com o uso da associação de paracetamol + codeína.
A última revisão foi realizada após 8 meses de cirurgia e a paciente retornou sem dor, apesar da progressão da doença. (Figura-1)
Figura 1 - Plexo Hipogastrico dissecado por videolaparoscopia.
DISCUSSÃO
O conhecimento a respeito do sistema nervoso autônomo, sua relação com outros órgãos pélvicos, é essencial para a realização do procedimento e avaliação posterior do sucesso da neurólise. As fibras vísceros-sensitivas da dor correm principalmente pela via simpática e parcialmente pelos plexos parassimpáticos. Por ser impossível identificar feixes nervosos independentes, todos os tecidos retro-peritoneais e perivasculares devem ser cauterizados com cautério bipolar nos quais os nervos autônomos estão encerrados. Não é possível individualizar as fibras simpáticas e parassimpáticas, isto é, não é possível individualizar apenas as fibras sensitivas. Assim, é possível que surjam distúrbios funcionais , sobre a bexiga e o intestino, embora raros e muitas vezes temporários 6.
Os ovários e os segmentos laterais das trompas são inervados por fibras simpáticas do plexo renal e do plexo aórtico que recobrem o ligamento infundíbulo pélvico. Ao contrário, o útero, a bexiga e o reto recebem sua inervação simpática principalmente através da área pré-sacral e pré-lombar do plexo mesentérico. Existem nesta região variações das fibras víscero-sensitivas, por isso há a necessidade de um procedimento amplo7.
Os nervos simpáticos mais acessíveis são os do plexo caudal, localizado na bifurcação da aorta entre a quinta vértebra lombar e o segmento mais alto do sacro. Eles são coletivamente designados por plexo hipogástrico superior ou nervo ou nervo pré-sacro. Os nervos deste plexo nervoso reticular se separam em feixes direito e esquerdo à medida que progridem no sentido caudal para penetrar nos órgãos pélvicos. Esses feixes são denominados de plexo hipogástrico inferior e nervos hipogastricos8. (Figura-2)
Figura 2 - Anatomia do Plexo Hipogástrico.
Embora as publicações da literatura tenham mostrado a utilidade do bloqueio de plexo hipogástrico no tratamento da dor pélvica crônica de difícil tratamento clínico, como no tratamento da endometriose9 não encontramos na literatura a neurólise realizada com eletrocautério bipolar, como no presente estudo para tratamento da dor pélvica oncológica. A literatura se refere ao bloqueio do plexo simpático com álcool, o qual tem sido usado com boas respostas também em pacientes com câncer pélvico, quando comparado ao uso de opióides exclusivos, mostrando redução do uso destes com o este tratamento, no entanto o tratamento com álcool pode ser tempo limitado, o que pode fazer com que novas aplicações tenham que ser realizadas10. Outras opções de tratamentos para dor , desde cognitivos até o uso de técnicas neurodestrutivas, como a neurólise química com fenol ou solução salina hipertônica têm sido usadas também para alívio da dor pélvica com sucesso, mas também sendo limitados pelo possível reaparecimento da dor em alguns meses(11). O uso da neurólise do plexo hipogástrico por via videolaparoscópica com eletrocautério bipolar, em casos de câncer pélvico com dor clinicamente intratável, parece ser uma opção a ser considerada no arsenal terapêutico da oncologia paliativa, sendo sua única contra-indicação absoluta a coagulopatia de díficil controle.
O presente estudo visa estimular novos protocolos de pesquisa, comparando os métodos existentes com a neurólise videolaparoscópica do plexo hipogástrico, em pacientes oncológicos com prognóstico reservado.
A morte para o oncologista não significa uma derrota, mas um processo natural, que deve ser aceito, pois muitas vezes não pode ser evitado. Contudo, a morte com dor e sofrimento não pode ser aceita, pois, esta sim, é uma derrota, e quaisquer esforços devem ser realizados para evitá-la.Referências Bibliográficas
1. Rafael Miguel, MD. Interventional Treatment of Cancer Pain: The Fourth Step in the World Health Organization Analgesic Ladder? Cancer Control 7(2) march/april 2000, Vol. 7, No.2. p 149-56
2. World Health Organization. Cancer Pain Relief. Albany, NY: WHO Publications Center; 1986.
3. Dureja G,P. Neurolytic blocks for cancer pain management. All India Institute Of Medical Sciences,New Delhi 110029. The Indian anaestheticts'forum, jan 2002.
4. Renaer, M. Chronic pelvic pain without obvious pathology in women. Personal observations and review of the problem. Eur J Obstet Gynecol Reprod Biol. 1980 jul;10(6): 415-63
5. Lichten EM, Bombard J. Surgical Treatment of Primary Dysmenorrhea with Laparoscopic Uterine Nerve Ablation. Journal of Reprodutive Medicine, 1987; vol 32, No1, pages 37-41.
6. Robert, H.G. Neuer Weg Zur Behandlung Schmerzhafter Zustânde an den Beckenorganen. Urol., 17, 1948.
7. Held, E. Die Erweiterte, Hypogastrische Sympathektomie Zur Operativen Bekâmpfung Schwerer Dysmenorrhoen. Zentrlbl. Gynâkol. 67: 245, 1943.
8. O. k"aser, F.A. Iklé, H.A.Hirsch, e colaboradores. Operações para Condições Benignas dos Ovários e Trompas e para Alívio da Dor Pélvica. Atlas de Cirurgia Ginecológica. 3a ed. Manole ltda. 1999.cap 11. pg 200-05.
9. Soysal S, Gurses E, Ozer S. Laparoscopic presacral neurolysis for endometriosis-related pelvic pain. Hum Reprod. 2003 Mar; 18(3); 588-92.
10. Oliveira R, dos Reis MP, Prado WA. The effects of early or late neurolytic sympathetic plexus block on the management of abdominal or pelvic cancer pain. Pain, 2004 Jul;110 (1-2):400-8.
11. Levy MH, Rosen SM, Ottery FD et all. Supportive care in oncology. Curr Probl Cancer. 1992. Nov-Dec; 16 (6):329-418.
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