Órgão Oficial de Divulgação Científica da
Sociedade Brasileira de Videocirurgia

ISSN: 1679-1796
ANO 2 Vol.2  Nº 3 - Jul/Set 2004

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Videocirurgia na Prenhez Ectópica Rota com Prenhez Tópica Concomitante

Laparoscopic Surgery for Ruptured Ectopic Pregnancy with Concomitant Topic Pregnancy

Felipe Buaes Pizzato1, Hésio Vicente Juliano2 José Carlos Fialho2 Thiago Henrique Lino1 Bruna Maria Couri3 Ricardo Zorrón4


Serviço de Cirurgia Geral do Hospital Municipal Lourenço Jorge, Rio de Janeiro, RJ - Brasil



INTRODUÇÃO: A gestação ectópica simultânea a uma gestação tópica é uma entidade rara, associada principalmente à inseminação artificial. Tratando-se de uma entidade rara, e com potencial surgimento de complicações para o feto intra-útero com a cirurgia laparoscópica, faz-se pertinente uma discussão do assunto. RELATO DE CASO: Os autores apresentam o caso de uma paciente de 25 anos referindo estar grávida (14 semanas) com dor abdominal há 2 dias em fossa ilíaca direita, náuseas e vômitos. À ultrassonografia evidenciou-se gestação tópica (15 semanas) e na topografia de FID formação expansiva predominantemente hiperecogênica medindo 8,8 x 5,9 cm. Foi então indicada laparoscopia exploradora, que evidenciou torção completa do anexo direito com necrose; gravidez ectópica em trompa direita medindo 9,0 x 10,0 cm e útero gravídico. Realizou-se salpingectomia e ooforectomia direita. No pós-operatório, não houve intercorrências, assim como no decorrer da gestação tópica. CONCLUSÃO: O procedimento laparoscópico parece ser seguro em pacientes gestantes com cirurgiões experientes no segundo trimestre de gestação, devendo-se ainda avaliar estudos com maior casuística para afirmar seu uso seguro no primeiro trimestre.

Palavras-chave: LAPAROSCOPIA /instrumentação /métodos; GRAVIDEZ /cirurgia; GRAVIDEZ ECTÓPICA /cirurgia.

INTRODUCTION: An ectopic pregnancy simultaneous to a topic pregnancy is a rare entity associated in many cases to artificial insemination. The objective of the case report is to discuss the use of laparoscopy in pregnancy and the potential complications of the procedure to the fetus. CASE REPORT: A case of 25 years old pregnant woman with right lower quadrant pain, nausea and vomiting is presented, in whom preoperative ultrassonography suggested topic pregnancy and a hyperecogenic mass in right lower quadrant. Videolaparoscopic right salpingectomy and ooforectomy was performed, and the patient presented with good postoperative evolution, and there were no complications for the topic pregnancy. CONCLUSION: The laparoscopic procedure in pregnancy appears to be safe in the second trimester of the pregancy, but more studies are needed to evaluate its use in the first trimester.

Key words: LAPAROSCOPY /instrumentation /methods; PREGNANCY /surgery; PREGNANCY, ECTOPIC /surgery.


PIZZATO FB, JULIANO HV, FIALHO JC, LINO TH, COURI BM, ZORRÓN R. Videocirurgia na Prenhez Ectópica Rota com Prenhez Tópica Concomitante. Rev bras videocir 2004;2(3):148-151.

Recebido em 09/09/2004

                                                              


Aceito em 21/09/2004




A

gestação tópica associada a uma gestação ectópica é um quadro raro, caracterizado pelo sincronismo de uma gestação intra e uma gestação extra-uterina (principalmente na tuba), com um difícil diagnóstico pré-operatório, potencialmente perigoso para a gestante e para a gravidez intrauterina.4,6,12 É uma entidade com crescimento insidioso, que sempre deve ser levada em consideração em um quadro de dor abdominal em gestantes (mais comumente no primeiro trimestre e em mulheres submetidas à inseminação artificial).7,12 A gestação é associada com uma variedade de mudanças nos sistemas cardio-vascular e respiratório, as quais podem predispor a paciente submetida à laparoscopia susceptibi-lidade à hipóxia, hipercarbia e hipotensão.17 Porém, observa-se que as alterações hemodinâmicas em pacientes grávidas e não-grávidas são similares, tornando o procedimento seguro e com redução no tempo de internação hospitalar.2
   As indicações mais comuns de cirurgia laparoscópica em gestantes são colelitíase, apendicite e doenças anexiais (como cisto de ovário persistente e torção anexial).2,16
   Contudo, a videocirurgia vem evoluindo de maneira lenta em pacientes gestantes por duas razões: a primeira é o potencial para problemas mecânicos relacionados ao útero gravídico e a segunda, é o medo de injúria fetal resultante da instrumentação ou do pneumo-peritônio.1
   Nos últimos anos, temos observado um crescente uso de tal método, principalmente no segundo trimestre3, onde temos menor risco de complicações, mas, estudos preliminares, mostram ser factível a video-laparoscopia no primeiro e precocemente no terceiro trimestre da gestação.10,11,15

RELATO DE CASO

    Paciente de 25 anos, negra, solteira, deu entrada na Emergência do Hospital Municipal Lourenço Jorge referindo encontrar-se na 14o semana de gestação e ter iniciado há 2 dias quadro de dor abdominal em fossa ilíaca direita (FID) de forte intensidade, tipo cólica, com irradiação para face medial da coxa direita, sem fatores de alívio ou agravo, acompanhada de náuseas e vômitos (3 episódios no período, com aspecto de restos alimentares).
   Negava febre, alterações do hábito intestinal e urinário. Ao exame físico, apresentava-se em bom estado geral, corada e hidratada, com abdome flácido e peristáltico, doloroso à palpação superficial e profunda, em FID e hipogástrio, além de irritação peritonial em FID.

   EXAMES COMPLEMENTARES
   Uma ultrassonografia abdominal evidenciou gestação tópica, com idade gestacional aproximada de 15 semanas, movimentos fetais presentes e formação expansiva na topografia de FID predominantemente hiperecogênica, medindo 8,8 x 5,9 cm (Figura 1). Os exames laboratoriais - hemograma e bioquímica, apresentavam-se dentro dos parâmetros da normalidade.

Figura 1: USG Abdominal demonstrando a massa em FID.



   Na ocasião foi suspeitada de gestação ectópica e a paciente levada a sala de cirurgia, para realização de videolaparoscopia exploradora.

   EXPLORAÇÃO CIRÚRGICA
   Na cirurgia, sob anestesia geral, foi realizada incisão umbilical e confecção de pneumoperitônio com agulha de Veres, e colocação de trocarte de 12 mm; incisão supra-púbica com colocação de trocarte de 5 mm e incisão em fossa ilíaca esquerda com colocação de trocarte de 12 mm. O inventário da cavidade evidenciou: torção completa do anexo direito com necrose; gravidez ectópica em trompa direita medindo 9,0 x 10,0 cm e, útero gravídico (Figura 2). Foi realizada então, ooforectomia e salpingectomia direita. O laudo histopatológico confirmou o diagnóstico cirúrgico de prenhez tubária rota.

Figura 2: Aspecto operatório: a) útero gravídico (U) e torção de prenhez ectópica em anexo (A); b) detalhe da torção anexial.




   EVOLUÇÃO
   A paciente apresentou evolução satisfatória, iniciando dieta no 1º dia pós-operatório e recebendo alta no 2º dia com resolução total do quadro de dor.
   Quanto à evolução de sua gestação tópica, esta se fez sem intercorrências, tendo nascido um menino com 39 semanas de gestação, apresentando Apgar = 9 (primeiro minuto) e Apgar = 10 (quinto minuto).

DISCUSSÃO

   A prenhez ectópica associada a prenhez tópica é uma entidade rara. No entanto, várias doenças abdominais podem acometer pacientes grávidas.
   Tendo em vista uma paciente grávida com indicação cirúrgica, faz-se pertinente a discussão de algumas questões:
- qual a melhor opção de acesso: cirurgia laparoscópica ou cirurgia aberta?
- a cirurgia laparoscópica é segura na gravidez?
   Ainda motivo de controvérsia, esta questão é amplamente debatida na literatura, pois na atualidade ainda é a laparoscopia uma contra indicação relativa na gravidez.
   Não existem estudos suficientes que comprovem os benefícios e riscos do procedimento, principalmente no primeiro trimestre de gestação8 havendo risco de rotura uterina e repercussões do pneumoperitônio com CO2 para o feto.1
   REYNOLDS e cols.13 sugerem que é preciso, ainda, que novos estudos venham comprovar os riscos da laparoscopia na gestação em pacientes com abdome cirúrgico. Devido às várias alterações orgânicas na gravidez, os procedimentos laparoscópicos nesta condição requerem maior atenção, devendo ser realizados por cirurgiões experientes.9
   CARTER5 publicou um estudo, no qual compara a cirurgia aberta com a laparoscópica em gestantes no primeiro e segundo trimestres de gestação, concluindo que a cirurgia laparoscópica é segura além de reduzir o tempo de internação hospitalar.
   Outros estudos relatam não haver alteração significativa sobre o peso ao nascimento, Apgar do quinto minuto e índice de partos pré-termos, assim como lesões uterinas e defeitos ao nascer.9,14 No procedimento laparoscópico, assim como para a população geral, a gestante (assim como o feto) podem se beneficiar da manipulação reduzida, em comparação com a cirurgia convencional.13
   Assim como em nosso relato, vários outros estudos mostram que a laparoscopia na gestação pode ser uma boa alternativa para patologias cirúrgicas.10,11,15
   Porém, ainda são necessários estudos randomizados com maior casuística para podermos concluir sobre a segurança do procedimento laparoscópico no primeiro trimestre da gestação.

CONCLUSÃO

   A ocorrência da gestação combinada (intra e extra-uterina) deve entrar no diagnóstico diferencial da dor abdominal no primeiro trimestre da gestação, apesar de ser considerada um quadro raro. A cirurgia videolaparoscópica tem um importante papel em pacientes grávidas, sendo uma alternativa factível para cirurgiões experientes no tratamento do abdome agudo cirúrgico, principalmente no segundo trimestre da gestação, porém, sendo exigido ainda maior investigação quanto a segurança de sua indicação no primeiro trimestre.


Referências Bibliográficas

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ENDEREÇO PARA CORRESPONDÊNCIA

FELIPE BUAES PIZZATO
Av. Ayrton Senna, 2000 - Barra da Tijuca
Rio de Janeiro, RJ - Brasil
CEP: 22.631-050
e-mail: felipep@rjnet.com.br 


 

(1) Cirurgião-Residente do Serviço de Cirurgia Geral do Hospital Municipal Lourenço Jorge.

(2) Cirurgião do Serviço de Cirurgia Geral do Hospital Municipal Lourenço Jorge.

(3) Acadêmica de Medicina da Universidade Estácio de Sá.

(4) Cirurgião do Serviço de Cirurgia Geral do Hospital Municipal Lourenço Jorge e Cirurgião do Serviço de Cirurgia Geral do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho, UFRJ.