Órgão Oficial de Divulgação Científica da
Sociedade Brasileira de Videocirurgia

ISSN: 1679-1796
ANO 2 Vol.2  Nº 3 - Jul/Set 2004

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Laqueadura Tubária por Microlaparoscopia sob Anestesia Local e Sedação Consciente

Tubal Ligation under Local Anesthesia and Conscious Sedation by Microlaparoscopy

Waldir Pereira Modotte1, Rogério Dias2 Jordanna Maria Pereira Bergamasco3 Daniel Spadoto Dias4


Faculdade de Medicina de Botucatu/UNESP; Instituto de Atendimento à Mulher, Assis, SP - Brasil



A Contracepção Cirúrgica Voluntária Definitiva (CCVD) é o método contraceptivo mais empregado em nosso meio e no mundo, sendo as vias minilaparotômica e laparoscópica as mais comuns, porém, é possível realizá-la com técnicas de microlaparoscopia. O objetivo desse trabalho é demonstrar a viabilidade da realização da laqueadura tubária pela técnica de microlaparoscopia, sob anestesia local e sedação consciente. Para apresentar a técnica descrevemos, com detalhes, nosso protocolo. A laqueadura tubária pela via microlaparoscópica, sob anestesia local e sedação consciente apresenta vantagens sobre a via minilaparotômica e laparoscópica convencional, podendo ser mais amplamente empregada nos centros de planejamento familiar.

Palavras-chave: ESTERILIZAÇÃO TUBÁRIA/métodos /técnica; LAPAROSCOPIA; ANTICONCEPÇÃO.

The Definitive Voluntary Surgical Contraception is the contraceptive method more used in our country and in the world. The minilaparatomy and laparoscopy access are the most common, even so, it is possible to accomplish it by microlaparoscopy techniques. The paper goal is to demonstrate the viability of the realization of tubal ligation by microlaparoscopy technique under local anesthesia and conscious sedation. To introduce this technique we describe with details our protocol. The tubal ligation by micro laparoscopy under local anesthesia and conscious sedation has advantages on the minilaparotomy and conventional laparoscopy way, being more thoroughly maid in the centers of family planning.

Key words: TUBAL STERILIZATION /methods /technique; LAPAROSCOPY; CONTRACEPTION.


MODOTTE WP, DIAS R, BERGAMASCO JMP, DIAS DS. Laqueadura Tubária por Microlaparoscopia sob Anestesia Local e Sedação Consciente. Rev bras videocir 2004;2(3):139-147

Recebido em 29/07/2004

                                                              


Aceito em 25/08/2004




A

Contracepção Cirúrgica Voluntária Definitiva (CCVD) é a primeira opção de casais com prole constituída, quando optam por método contraceptivo, tanto em países desenvolvidos como em países em desenvolvimento.1,2
   No passado, as alternativas para a CCVD desencorajavam os casais devido às características agressivas dos métodos disponíveis, com complicações consideráveis, em se tratando da natureza do procedimento. Nos dias atuais, as técnicas avançadas de CCVD permitem que a trompa de Falópio seja alvejada, de modo minimamente invasivo, e a destruição tecidual da trompa seja reduzida, possibilitando taxas elevadas de reversão reprodutiva.3
   Pesquisa realizada no recôncavo baiano mostrou que a CCVD era o método contraceptivo mais utilizado, sendo que 62% das mulheres até 39 anos já se encontravam esterilizadas cirurgicamente. Entre as mulheres com mais de 40 anos, esse percentual chegava a 89,5%.4 A última pesquisa nacional sobre demografia e saúde, de 1996, mostra uma prevalência de 40% de mulheres esterilizadas entre 15 a 49 anos.5
   A cultura da esterilização passou a fazer parte do processo evolutivo e biológico das mulheres atuais. CARVALHO6 em 2003, arrisca-se a dizer que o ciclo reprodutivo da mulher atual é menstruar, gestar, parir e esterilizar-se. Segundo BERQUÓ7 em 1999, no caso brasileiro, pode-se constatar que está em curso a consolidação de uma verdadeira "cultura da esterilização", sendo este procedimento transmitido culturalmente de mãe para filha. Segundo pesquisa da mesma autora, em nosso meio, 52% das mulheres esterilizadas eram filhas ou irmãs de mulheres esterilizadas, o que reflete uma propagação familiar inter e intrageracional.
   Aproximadamente três quartos dos casais que escolhem a CCVD a fazem pela esterilização feminina.8 A esterilização feminina representa 72% de todos os procedimentos de CCVD (masculino e feminino) nos Estados Unidos. O método mais comum de esterilização feminina é a ligadura tubária (LT). Ela consiste na oclusão mecânica ou ressecção parcial das trompas de Falópio, de modo que a junção dos gametas não possa ocorrer, evitando-se assim a fecundação. Segundo HATCHER e cols. 9, em 1983, foram desenvolvidas mais de cem técnicas de LT por via abdominal.

CONTRACEPÇÃO CIRÚRGICA E CONCEITOS ATUAIS

    A Organização Mundial da Saúde (OMS) define que o método ideal para CCVD deve ser:
   [...] simples, de fácil aprendizado, realizado em um procedimento único e sob anestesia local. A técnica para oclusão da tuba deve causar o menor dano tubário possível. Esse procedimento deve ser seguro, altamente eficaz, acessível às populações e de aceitação pessoal e cultural. O custo de cada procedimento deve ser baixo e o custo de manutenção dos equipamentos envolvidos deve também ser baixo.10

   Desde 1834, a intervenção nas trompas de falópio foi vista por BLUNDELL como método de possível contracepção. Todavia, o primeiro ato cirúrgico realizado com fins de esterilização só veio a ocorrer, segundo SCIARRA11, cinqüenta anos após, em 1881, por LUNDGREEN, que executou laqueadura simples após uma cesárea. A partir daí, seguiram-se outros procedimentos, a exemplo de MADLENER (1910), IRVING (1924), ALDRIDGE (1934), KRONER (1969) e o anúncio, em 1930, da técnica de POMEROY11. A técnica de POMEROY é talvez, com algumas variantes, a técnica mais utilizada no Brasil em laparotomia.12 O americano ginecologista RALPH POMEROY tem a técnica atribuída ao seu nome, porém, foram BISHOP e NELMS3 em 1930, quem a descreveram e difundiram.
   A eficácia da contracepção cirúrgica, a despeito da variação das técnicas cirúrgicas para sua realização, é elevada, apresentando uma taxa de falha, extremamente baixa, em torno de 1-2 por 1000 procedimentos. As complicações imediatas não são comuns, são pequenas e sem gravidade, sem apresentar efeitos adversos a longo prazo.1,3
   A via de abordagem cirúrgica para esterilização feminina pode ser laparoscópica, microlaparoscópica, laparotômica (concomitante ou não a cesariana), minilaparotômica e via vaginal.
   A evolução tecnológica na medicina permite, nos dias de hoje, a escolha de, basicamente, três vias de eleição para a realização da CCVD: a via laparotômica (concomitante a cesariana), a via minilaparotômica e a via laparoscópica. Apesar da minilaparotomia ser a técnica mais popular difundida pelo mundo, nos Estados Unidos a laparoscopia é a via mais comumente utilizada para LT.13,14,15 A via vaginal é raramente utilizada porque está associada à maior incidência de infecção.
   A popularidade da LT aumentou, consideravelmente, com o advento de técnicas mais sofisticadas de laparoscopia, tornando-se o método mais largamente utilizado em todo o mundo. Nos Estados Unidos, houve um aumento da LT, de 9% em casais casados em 1973, para 23% em 1988, devido à popularização e disponibilidade do método pela via laparoscópica.9 A via laparoscópica é a mais utilizada pelos cirurgiões para LT, sendo que, somente no Estados Unidos, aproximadamente 210.000 casos/ano de LT são realizados por essa via.16 A CCVD por via laparoscópica é a mais escolhida porque é um método de interrupção definitiva de fertilidade mais conveniente, efetivo e livre de drogas.3

MICROLAPAROSCOPIA

   A reemergência da laparoscopia na década de 60, decorrente de desenvolvimentos de sistemas ópticos de melhor qualidade, resultou em rápida adaptação desse procedimento a LT.17 A esterilização laparoscópica, nos dias de hoje, é quase exclusivamente realizada de modo ambulatorial. Pela laparoscopia convencional ela é realizada através de portas de acesso de diâmetro igual ou superior a 5 mm.
   Com o advento da microlaparoscopia, portas de menor diâmetro começam a ser utilizadas por alguns cirurgiões em serviços do mundo todo.18,19,20 Os avanços alcançados na redução do diâmetro das portas de entrada só foram possíveis com a substituição dos sistemas ópticos tradicionais (lentes rígidas) pelo sistema de fibras ópticas.
   O sistema de fibras ópticas compõe-se de um agrupamento numeroso de fibras chamadas de "pixes" que formam um endoscópio flexível.
   Nos dias atuais, temos fibroscópicos com até 70.000 pixes, que permitem uma excelente visualização e transmissão de imagens da cavidade pélvica. A vantagem teórica da microlaparoscopia sobre a laparoscopia convencional, como menos dor pós-operatória, menor custo e mais rápido restabelecimento, ainda não foi bem documentada, através de estudos controlados e randomizados.9,21
   Os avanços agregados a redução do diâmetro da óptica incluem pequenas incisões, rápido acesso às tubas, rápida recuperação da paciente e habilidade de inspecionar órgãos abdomino-pélvicos.
   Os fibroscópicos de diâmetro reduzido deram uma nova dimensão a LT, possibilitando o procedimento sob anestesia local.22 As desvantagens dessa técnica são manutenção de equipamento caro e frágil e riscos relacionados com as técnicas de penetração instrumental, às cegas.
   Apesar dos riscos da abordagem da cavidade abdominal na entrada, às cegas, a incidência de complicações total varia de 0,5 a 4,5 por 1000 procedimentos, mantendo-se ainda como um dos procedimentos cirúrgicos eletivos mais seguros.23 Essa incidência tende a reduzir quando se avaliam procedimentos com portas de entrada com diâmetros inferiores.
   Anestesia geral é o método anestésico mais comumente utilizado nos Estados Unidos para a realização da LT. Infelizmente, acidentes são freqüentemente reportados a CCVD devido ao método anestésico.24
   Porém, exceto nos casos contra indicados, a LT pode ser realizada sob anestesia local e sedação consciente.25
   Vários autores têm reportado séries numerosas de LT sob anestesia local sem nenhum aumento na morbidade e na mortalidade.26,27,28,29

CLIPE DE FILSHIE

   Para a realização da LT pela via laparos-cópica, com obstrução mecânica das trompas, podemos utilizar a eletrocirurgia (energia monopolar ou bipolar), o fio cirúrgico (método de Pomeroy), o clipe e o anel. De acordo com publicação de boletim do American Association of Gynecologic Laparoscopist's, 60% das LT são realizadas pelo método de energia bipolar, 28% por anéis, 9% através de clipes e 3% através de energia monopolar (AAGL, 1995).14
   O sistema de obstrução mecânica da trompa através do clipe de FILSHIE (Filshie® Clip System - FemCare Ltd Co, UK) foi introduzido na Europa em 1975 sendo aprovado para uso nos Estados Unidos em 1997. Este dispositivo tem 12,7 mm de comprimento e é confeccionado em titânio associado com um anel interno de silicone.30 Inicialmente, o clipe obstrui o lúmen tubário por pressão. Após a oclusão mecânica ocorre a necrose tecidual da trompa e o anel interno de silicone expande, para manter a trompa ocluída. A tuba eventualmente se separa, mantendo os cotos proximais e distais obliterados. O clipe mantém-se fixado à trompa e, eventualmente, é recoberto por peritônio.9
   A preferência pelos clipes, especialmente o Filshie® Clip System (Figura 1) segundo a literatura29,31, também se faz porque sua aplicação é mais indolor, principalmente quando se trata de aplicá-lo em pacientes acordadas, sob anestesia local.19 A utilização deste sistema mostrou ser de fácil aplicabilidade, com um mínimo de desconforto para a paciente, além de ser isento de riscos elétricos, como na técnica de eletro-cauterização. Devido à necrose tecidual mínima, o emprego deste dispositivo apresenta altas taxas de sucesso na reversão cirúrgica, utilizando técnicas de reanastomose tubária.31 Além disso, permite que a LT seja realizada de modo ambulatorial, reduzindo consideravelmente os custos hospitalares desse procedimento.32

Figura 1 - Filshie Clip.



   Uma série de 6.102 casos utilizando o Filshie® Clip System, apresentada pelo US Food and Drug Administration (FDA), mostrou uma incidência de trauma cirúrgico provocado pelo dispositivo igual a 1,6%, enquanto os demais sistemas mostraram uma incidência de trauma cirúrgico de 3,2%, sendo estatisticamente significativo. Essa série foi realizada usando um estudo controlado e randomizado, classificado como nível I na avaliação da medicina baseada em evidências.33 O Filshie clip mostrou uma incidência semelhante de lesões no mesossalpinge quando comparado com o Hulka Clemens clip. Porém, uma incidência muito inferior, quando comparado com o anel de silicone. A taxa de gestação ectópica foi de 0,02%, ocorrendo 28 gestações entre 5.454 mulheres, mostrando uma taxa de gestação ectópica inferior, quando comparada com a taxa de gestação ectópica da LT utilizando energia bipolar. Foram reportados casos raros de migração do Filshie clip para bexiga, cavidade peritoneal, vagina e apêndice, bem como expulsão do clipe pela vagina, uretra e reto.34,35,36 A expulsão e a migração dos clipes (FILSHIE ou HULKA CLEMENS) são, usualmente, assintomáticas e de pouco significado clínico. Em todos os casos relatados, os clipes foram encontrados fechados, as tubas permaneceram completamente obstruídas e não houve seqüelas durante o longo tempo de observação. Vários autores comprovaram que a aplicação do clipe de Filshie é mais fácil que a aplicação do clipe de Hulka Clemens. 37
   Em tese de pós-graduação, apresentada recentemente, foram demonstradas as vantagens da microlaparoscopia sobre a minilaparotomia na laqueadura tubária. A microlaparoscopia apresentou menor tempo cirúrgico, menor tempo de recuperação e melhor grau de satisfação e efeito estético, além de apresentar custo inferior.38
   Outros estudos demonstraram as vantagens da microlaparoscopia na CCVD, sugerindo sua realização de modo completamente ambulatorial, em consultórios convencionais, dotados de alguns equipamentos de segurança para eventuais emergências.39

EXPERIÊNCIA COM O MÉTODO SOB ANESTESIA LOCAL E SEDAÇÃO CONSCIENTE

   O propósito desse trabalho é mostrar nosso protocolo para a realização da técnica de laqueadura tubária por microlaparoscopia, sob anestesia local e sedação consciente, de modo simples e propor sua utilização em serviços de planejamento familiar, divulgando uma técnica com vantagens sobre os métodos habitualmente utilizados em nosso meio.

   PROTOCOLO
   O protocolo para a realização da CCVD, em nosso serviço, segue os critérios preferenciais de inclusão, que estão de acordo com a literatura40 e normas do Ministério da Saúde do Brasil 5.
- idade acima de 30 anos;
- paridade maior de dois filhos, de preferência de sexos diferentes;
- casamento estável, com tempo de união maior que cinco anos;
- casal com perfil psicológico adequado, ou seja, aptos psíquico e emocionalmente, para decidir pelo método.
   As pacientes com índice de massa corpórea maior que 35 e peso superior a 90 Kg não são, habitualmente, selecionadas para o procedimento.

   TÉCNICA
   Para a realização desse procedimento são utilizadas técnicas de microlaparoscopia cirúrgica, sob anestesia local e sedação consciente. Sedação consciente é definida como depressão mínima da consciência, com preservação da função respiratória, mantendo a capacidade de responder à estimulação física apropriada ou a comando verbal.41

   CONSENTIMENTO INFORMADO
   Previamente ao procedimento, as pacientes são informadas de todas as etapas da técnica cirúrgica utilizada, dos riscos inerentes ao método, das possíveis complicações (imediatas e tardias), do tempo total estimado para efetuar o procedimento, da possibilidade de desconforto e dor, durante e após o mesmo, e possível conversão da técnica anestésica empregada e via de acesso à trompa.

   AVALIAÇÃO PRÉ-OPERATÓRIA
   A avaliação pré-operatória das pacientes segue protocolos idênticos ao da videolaparoscopia convencional: exames laboratoriais (hemograma completo, glicemia de jejum, coagulograma, uréia, creatinina, sódio, potássio, urina I), exame físico geral e avaliação do anestesista. Quando as pacientes apresentam idade superior a 45 anos é solicitado eletrocardiograma, raios-X de tórax (incidências anteroposterior e perfil) e avaliação do cardiologista.

   PREPARO
   Antes dos procedimentos, as pacientes são submetidas ao preparo intestinal, no intuito de diminuir o volume interno das alças intestinais, que poderiam dificultar o procedimento proposto. A epilação é dispensável. As pacientes são orientadas, apenas, para um corte parcial dos pelos pubianos. Na véspera do procedimento, às 20 horas, as pacientes são medicadas com tranqüilizante benzodiazepínico, na dose de 10 mg, por via oral.

   ANESTESIA E PROCEDIMENTO
   Pela manhã, ao acordar, realiza-se uma bandagem com Emla®, na cicatriz umbilical e na região suprapúbica, para diminuir a dor provocada pela anestesia local.
   As cirurgias são realizadas em sala de procedimentos ambulatoriais, anexa ao centro cirúrgico, sempre no período da manhã.
   Após a instalação da venóclise, as pacientes recebem uma dose de antibioticoterapia profilática, seguindo protocolo da comissão de infecção hospitalar da instituição (cefalotina de 1,0 mg, via intravenosa).
   A seguir as pacientes são transportadas para a sala de procedimentos e colocadas em posição semiginecológica utilizado perneiras apropriadas, construídas para esse fim, que conferem maior conforto a paciente durante o procedimento cirúrgico. Nesse momento, são instalados equipamentos de monitoramento das funções vitais das pacientes.
   O procedimento é iniciado, então, com assepsia e anti-sepsia abdominal e vaginal, utilizando-se de PVPI, seguido da colocação de campos estéreis. Nesse mesmo momento, as pacientes recebem medicação endovenosa, com o intuito de sedação consciente. Utiliza-se midazolan, na dosagem de 1-2 mg (raramente 3 mg, para pacientes com peso elevado) e fentanil, na dosagem de 0,05 mg/Kg de peso. Quando necessário, uma dose adicional de medicação é utilizada. Para maior conforto à paciente, pode ser empregado propofol, na dosagem de 3 mg/Kg de peso. O adequado monitoramento das pacientes, bem como a aplicação dos agentes sedativos, são sempre realizados com o acompanhamento de um médico anestesista, que confere maior segurança ao procedimento.
   A anestesia local é empregada nas pacientes da seguinte maneira: 8-12 ml de lidocaína a 1%, com bicarbonato de sódio (10:1) na cicatriz umbilical e 5-10 ml na região suprapúbica, utilizando agulha fina (0,45 x 13), de insulina. Para o bloqueio para-cervical, utilizam-se 10 ml de lidocaína a 1%, sendo utilizados 2,5 ml da solução em cada quadrante. Após bloqueio paracervical, um manipulador uterino é instalado. Uma sondagem vesical de alívio é realizada, rotineiramente, para esvaziamento completo da bexiga. O uso de bicarbonato de sódio, diluído no anestésico local, diminui a dor provocada pela infusão da droga nos tecidos.
   Para a introdução do fibroscópico e agulha de Veres, uma pequena incisão intra-umbilical de 2 mm é realizada, utilizando bisturi de lâmina 11. Para a introdução do trocarte acessório, é realizada outra incisão na região suprapúbica, de 7 mm de extensão.
   Através da incisão intra-umbilical, uma agulha de Veres é introduzida, com o intuito de criar o pneumoperitônio, que é mantido com uma pressão intraabdominal inferior a 10mmHg, monitorada com a utilização de insuflador eletrônico. Para conferir maior segurança ao método, são realizadas provas de posicionamento da agulha de Veres, do mesmo modo que se procede em uma laparoscopia convencional, observando-se que, nesses casos, as pacientes estão acordadas. Devido ao estado de consciência em que se encontram as pacientes nessa técnica, maior resistência da parede abdominal é observada para a introdução da agulha de Veres. Uma pressão intra-abdominal inicial maior também é encontrada, quando se inicia a infusão do gás CO2.
   Após a instalação do pneumoperitônio, o conjunto trocarte e microlaparoscópio (fibroscópico de 30.000 pixes, STORZ, Tuttlingen - Alemanha) é introduzido na região umbilical, seguido da colocação das pacientes na posição de Trendelemburg. Ao fibroscópio são acoplados: cabo de fibra óptica e cabeça da microcâmera (Figura 2).

Figura 2 - Conjunto de microlaparoscopia - fibroscópico, micro-câmera e cabo de fibra óptica.



   Uma cuidadosa inspeção da cavidade abdominal é, inicialmente, realizada. Para realização da CCVD é muito importante uma adequada visualização da trompa, em todo o seu trajeto, que inclui a identificação da porção fimbrial da mesma.
   Um trocarte de 7,0 mm é introduzido na região suprapúbica, sob visualização direita. Por essa via introduziu-se um aplicador de clipe - desenhado por FILSHIE30 em 1981, apropriado ao seu clipe (Figuras 3 e 4).

Figura 3 - Aplicador do Filshie Clip.



Figura 4 - Aplicador introduzido no trocarte.




   Um Filshie clip é colocado na trompa, na sua porção ampolar, 4 cm do corno uterino, de modo a abranger todo o seu diâmetro, sob visualização direta. A porção inferior do clipe deve ser visualizada através do mesossalpinge. Após a correta colocação, o clipe é aplicado através de seu aplicador, mecanicamente, sob pressão, travando a porção anterior na porção posterior (Figura 5). O controle de posicionamento do mesmo é, então, realizado de forma visual e mecânica, com mobilização do mesmo com o aplicador, para verificar sua adequada apreensão na trompa.

Figura 5 - Filshie Clip após sua aplicação.



   Concluída aplicação dos clipes inicia-se o procedimento de retirada do material laparoscópico, com retirada do trocarte de 7,0 mm, sob visualização direta em sua incisão peritoneal e do conjunto de microlaparoscopia.
   Concluído o procedimento, realiza-se a sutura da pele com um ponto simples de mononylon 4-0 na cicatriz suprapúbica. Não é necessário sutura da incisão intra-umbilical, uma vez que o tamanho dessa incisão não requer maior cuidado.

   ALTA AMBULATORIAL
   As pacientes, após o procedimento realizado, são submetidas ao curativo e encaminhadas para a sala de recuperação.
   Para a liberação da paciente da sala de recuperação foi utilizado o sistema de escore de liberação, segundo CHUNG e cols.42, modificado por MODOTTE38, verificado a cada 30 minutos - PADSS, Post Anesthesic Discharge Scoring (Tabela 1).

Tabela 1 - Sistema de Escore para Liberação da Paciente (PADSS) - verificado a cada 30 minutos.*

VARIÁVEL

ÍNDICE

Sinais Vitais

(PA e Pulso)

2 < 20% dos valores pré-operatório
1 20-40% dos valores pré-operatório
0 > 40 % dos valores pré-operatório

Situação

mental e atitude

2 orientado e passo firme
1 orientado ou passo firme
0 nenhum

Dor, náusea ou

vômito

2 mínimo
1 moderado
0 severo

Sangramento

cirúrgico

2 mínimo
1 moderado
0 severo
Balanço líquido 2 ingerindo líquidos e micção presente
1 ingerindo líquidos ou micção presente
0 nenhum

TOTAL **

* Verificação a cada: 30min, 1h, 1h30, 2h, 2h30.

** Total do escore = 10. Pacientes com escore maior ou igual à

"9" são consideradas aptas para deixar o hospital ou clínica.


COMENTÁRIOS FINAIS

   A utilização dessa técnica apresentada permite maior flexibilidade de agendamento, uma vez que, sendo realizada de modo ambulatorial, não necessita da utilização do bloco cirúrgico ou da enfermaria, com considerável redução de custo, de morbidade, além de breve retorno da paciente às suas atividades, com um excelente efeito estético. O procedimento revelou ser de elevada aceitação pelas pacientes.38
   A microlaparoscopia cirúrgica apresenta-se como alternativa ao método convencional em muitos procedimentos, entre eles a CCVD e vem despontando, dia a dia, como método promissor para reduzir morbidade e custo, além de oferecer melhor efeito estético.
   A laparoscopia moderna deve voltar sua atenção a essa técnica que parece prometer, no futuro próximo, substituir vários procedimentos convencionais.


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ENDEREÇO PARA CORRESPONDÊNCIA

WALDIR PEREIRA MODOTTE
Rua Nágila Jubran, 40 - Jardim Europa
Assis, SP - BRASIL
CEP: 19.814-570
e-mail: waldirmodotti@yahoo.com.br 


 

(1) Programa de Pós-Graduação em Ginecologia, Obstetrícia e Mastologia da Faculdade de Medicina de Botucatu/UNESP, SP; Instituto de Atendimento à Mulher, Assis, SP

(2) Programa de Pós-Graduação em Ginecologia, Obstetrícia e Mastologia da Faculdade de Medicina de Botucatu/UNESP, SP

(3) Acadêmico da Faculdade de Medicina de Taubaté/UNITAU, SP.

(4) Acadêmico da Faculdade de Medicina de Rio Preto, SP.