Órgão Oficial de Divulgação Científica da
Sociedade Brasileira de Videocirurgia

ISSN: 1679-1796
ANO 2 Vol.2  Nº 1 - Jan/Mar 2004

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Cardioplastia com Gastrectomia em Y de Roux no Megaesôfago Avançado ou nas Falhas da Esofagocardiomiotomia

Cardioplasty with Roux Y in Advanced Megaesophagus or in Esophagocardiomiotomy Failures

Renam Catharina Tinoco1, Augusto Cláudio Almeida Tinoco2, Luciana Martins Guimarães3, Luciana Janene El-Kadre4, Luis Antônio Tinoco5


Departamento de Cirurgia Geral do Hospital São José do Avaí, Itaperuna, Rio de Janeiro, Brasil


RESUMO

OBJETIVO: Mostrar a experiência do serviço com o tratamento da acalasia e principalmente mostrar a conduta nos casos de acalasia com grande dilatação e nas falhas da operação de Heller. MÉTODO: Entre 1993 a 2003, 56 pacientes foram submetidos a tratamento cirúrgico da acalasia: 43 foram tratados com cirurgia de Heller, 4 com esofagectomia com esofagogastrostomia cervical e 9 foram submetidos a cardioplastia com vagotomia e gastrectomia com reconstrução em Y de Roux (Serra Dória). RESULTADOS: Todos os pacientes tiveram sua cirurgia concluída por laparoscopia, com boa evolução pós-operatória e permanecendo de 3 a 8 dias no hospital. DISCUSSÃO: A cardioplastia associada à vagotomia troncular com hemigastrectomia em Y de Roux, por laparoscopia, embora ainda com pequeno número de casos, demonstrou-se, em nossa experiência, tratar-se de um procedimento sem complicações. Apesar de levar a maiores gastos pelo uso de grampeadores, acreditamos ser o custo desse material compensado pela alta precoce e mais rápido retorno ao trabalho. CONCLUSÕES: Os resultados pós-operatórios com a operação de Serra Dória foram excelentes, mas outros estudos deverão ser realizados para confirmar nossos resultados.

Palavras-chave: ACALASIA; ESOFAGOGASTROSTOMIA CERVICAL; LAPAROSCOPIA; CARDIOPLASTIA.

TINOCO RC, TINOCO ACA, GUIMARÃES LM, EL-KADRE LJ, TINOCO LA. Cardioplastia com gastrectomia em Y de Roux no megaesôfago avançado ou nas falhas da esofagocardiomiotomia. Rev bras videocir 2004;2(1):19-22.



A

esofagocardiomiotomia com fundoplicatura anterior tem sido utilizada como procedimento ideal para o tratamento da acalasia por laparoscopia. 4, 7, 8, 9, 11, 12, 14, 17, 18 A primeira operação laparoscópica de Heller foi publicada por SHIMI et al. em 1991.17
   Entretanto, nos trabalhos apresentados, os bons resultados raramente ultrapassam 90%.4, 7, 18 Vários fatores são atribuídos à falhas, onde destaca-se a deficiência na aplicação da técnica, além do refluxo, com conseqüente estenose.
   Geralmente, como têm sido relatadas na literatura internacional, as falhas não são justificadas pelo grande diâmetro do esôfago, nos casos avançados. No Brasil, pela existência endêmica do megaesôfago chagásico atingindo uma população com pouco acesso ao atendimento médico, há muito tempo os cirurgiões realizam, para o megaesôfago avançado, empregando a esofagectomia com esofagogastrostomia cervical.5, 15, 16
   De uma forma mais restrita, no megadolicoesôfago é usada a operação de Thal19, 20 e a cardioplastia associada a uma gastrectomia subtotal em Y de Roux, introduzida por SERRA DÓRIA13. Como o esôfago aperistáltico geralmente é dilatado e não tem capacidade de esvaziamento, a realização de uma ampla comunicação esôfago-gástrica, juntamente com uma gastrectomia com reconstrução em Y de Roux, permite uma boa passagem esôfago-gástrica e impede o refluxo com todas as suas complicações.
   O presente artigo mostra nossa experiência com o tratamento da acalasia por laparoscopia. É dado destaque ao tratamento do megaesôfago avançado com a técnica de Serra Dória por laparoscopia, sendo esta a primeira publicação na literatura com o uso dessa técnica.

MÉTODO

   No período de 1993 a 2002 foram operados 56 pacientes portadores de acalasia. Quarenta e três pacientes foram submetidos à operação de Heller com fundoplicatura anterior laparoscópica. Quatro portadores de megaesôfago avançado foram submetidos à esofagectomia laparoscópica com esofagogastrostomia cervical. A partir de 1998, seis casos de megaesôfago avançado e três pacientes (em que a operação de Heller foi insuficiente) foram submetidos à cirurgia laparoscópica, sendo realizada a cardioplastia com vagotomia e gastrectomia com reconstrução em Y de Roux (operação de Serra Dória).
   Todos os pacientes foram submetidos a esofagografia, endoscopia digestiva alta além de esôfagomanometria no pré-operatório.

TÉCNICA

   O paciente foi colocado em decúbito dorsal, ficando o cirurgião à direita. Foram utilizados cinco trocartes (Figura 1). Após pneumoperitônio de 15 mmHg e colocação dos trocartes foi aberto o hiato esofagiano e contornado o esôfago com fita umbilical. O esôfago foi dissecado e tracionado ao máximo até o abdome e feita vagotomia troncular. Foram dados pontos fixando o fundo gástrico à borda esquerda do esôfago, em uma extensão de 6 cm. Com o cautério foi feito um orifício no fundo gástrico e outro na junção esofagogástrica, por onde foi introduzido um grampeador Endo GIA Universal 60mm (Auto SutureTM, US Surgical Company, Tyco Healthcare Group). Após grampeamento, o orifício restante foi fechado com chuleio de fio poliglicólico 3-0. A seguir foi realizada uma hemigastrectomia, sendo o duodeno seccionado com uma carga de grampeador Endo GIA 45mm. O estômago também foi seccionado, com 3 cargas de 45mm, com o mesmo grampeador.


Figura 1 - Posicionamento das cinco portas.



   Após identificado o ângulo de Treitz, o jejuno foi seccionado a 20 cm com grampeador Endo GIA 45mm. A anastomose jejuno-jejunal foi realizada aos 50 cm do jejuno. Após fixação do jejuno ao coto gástrico, foi realizada pequena abertura (em jejuno e coto gástrico) por onde foi aplicada uma carga do grampeador Endo GIA 45mm. Desfeito o pneumoperitônio e fechada a pele. Em nenhum caso foi deixado cateter nasogástrico. O esquema final da cirurgia encontra-se indicado na Figura 2.


Figura 2 - Esquema final da cirurgia.


RESULTADOS

   Todas as operações foram completadas por laparoscopia. A duração da cirurgia variou de 115 a 190 minutos. A alimentação oral líquida foi iniciada no dia seguinte e a internação variou de 3 a 8 dias. Todos os pacientes tiveram boa evolução.

DISCUSSÃO

   O tratamento da acalasia é controverso, sendo descrita a dilatação16 e a toxina botulínica1, 6 ambas com resultados precários, com o agravante de dificultar a miotomia quando o paciente é levado à cirurgia. A dilatação tem também o inconveniente de provocar refluxo gastresofagiano com conseqüente estenose. A cirurgia, nos casos de dilatação leve à moderada, é a esofagocardiomiotomia à Heller, com fundoplicatura anterior. 4, 7, 8, 9, 11, 14, 17, 18 Alguns recomendam a esofagectomia para os casos avançados, seja com interposição de cólon13 ou com esofagogastrostomia cervical10, 15 por cirurgia aberta. Outros defendem a operação de Heller com fundoplicatura anterior laparoscópica, mesmo nos casos de megaesôfago avançado, mas com resultado não totalmente satisfatório12.
   A primeira esofagectomia por laparoscopia foi realizada por DE PAULA2. A esofagectomia trans-hiatal (seja por via aberta ou fechada) tem uma maior morbidez e mortalidade. A cardioplastia associada à vagotomia troncular com hemigastrectomia em Y de Roux, por laparoscopia, embora ainda com pequeno número de casos, demonstrou-se em nossa experiência tratar-se de um procedimento sem complicações.
   Entretanto, apesar de maiores gastos pelo uso de grampeadores, acreditamos que esse custo material seja compensado pela alta hospitalar precoce e pelo mais rápido retorno ao trabalho. A esofagogastrostomia cervical efetuada para o câncer de esôfago é aceitável, porque a sobrevida média à longo prazo é rara. Mas, quando empregada em doença benigna como o megaesôfago tem resultado tardio ruim, principalmente pelo refluxo do conteúdo gástrico para faringe e boca.

CONCLUSÃO

   Os resultados pós-operatórios com a operação de Serra Dória foram excelentes, mas outros estudos deverão ser realizados para confirmar nossos resultados.

 


ABSTRACT

OBJECTIVE: This work intends to show our experience in achalasia treatment. The results of laparoscopic Heller miotomy have proved to be good, however in cases with severe dilatation and Heller failure, this tecnique does not work. METHOD: Between September 1993 to August 2003, 56 patients had surgical treatment for achalasia. In 43 the authors performed the Heller operation with anterior fundoplication, 4 patients had laparoscopic esophagectomy and cervical esophagogastrostomy, in 9 were performed laparocopic cardioplasty, vagotomy and gastrectomy with Roux Y anastomosis (Serra Dória operation). RESULTS: All patients had their operation concluded by laparoscopy, with good evolution and the hospital stay between 3 to 8 days. DISCUSSION: Laparoscopic cardioplasty with vagotomy associated to gastrectomy with Roux Y has been done without complications and good evolution in our Service. CONCLUSIONS: Postoperative results were excelent with laparoscopic Serra Dória operation, but trials such as this one are necessary to determine the real efficacy of this procedure.

Keywords: ACHALASIA; CERVICAL ESOPHAGOGASTROSTOMY; LAPAROSCOPY; CARDIOPLASTY.


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ENDEREÇO PARA CORRESPONDÊNCIA

RENAM CATHARINA TINOCO
Rua Coronel Luis Ferraz, 397 - Centro
Cep: 28300-000
Itaperuna, RJ - Brasil
E-mail: rctinoco@uol.com.br 


 

(1) Chefe do Serviço de Cirurgia Geral do Hospital São José do Avaí; Docente de Cirurgia Geral da Universidade Estadual do Rio de Janeiro; Membro Titular da Sobracil; Titular da Cadeira de Cirurgia Geral da Universidade Iguaçu - Campos V.

(2) Cirurgião do Hospital São José do Avaí; Mestre em Cirurgia Geral pela Universidade Federal de Minas Gerais.

(3) Residente em Cirurgia Geral do Hospital São José do Avaí.

(4) Cirurgiã do Hospital São José do Avaí; Mestre em Cirurgia Geral pela Universidade Federal de Minas Gerais.

(5) Cirurgião e Endoscopista do Hospital São José do Avaí.

 

Recebido em 20/03/2004
Aceito para publicação em 25/03/2004