Órgão Oficial de Divulgação Científica da
Sociedade Brasileira de VideocirurgiaISSN: 1679-1796
ANO 1 Vol.1 Nº 4 - Out/Dez 2003<< Arquivo PDF >>
Torção Isolada da Trompa
Relato de CasoIsolated Torsion of Fallopian Tube
A Case ReportWaldir Pereira Modotti1, Rogério Dias2, Paulo Roberto Bueno3, Michaela Mussi4, Jordana Bergamasco5, Sonia Zimmer Moitim6
Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da Faculdade de Medicina de Botucatu - UNESP
Departamento de Ginecologia da Faculdade de Medicina de Marília - UNIMAR
Instituto de Atendimento a Mulher - Assis
Faculdade de Medicina de Taubaté - UNITAU
São Paulo - Brasil
RESUMO
A torção isolada da trompa de Falópio é um evento incomum, de diagnóstico difícil e tratamento precoce pouco freqüente. Os autores descrevem um caso de uma adolescente, com quadro de torção de trompa direita isolada, com história de dor há 2 semanas. O diagnóstico foi definido utilizando a microlaparoscopia, sendo prontamente tratada com salpingectomia unilateral. Apesar de pouco freqüente, essa patologia sempre deve ser lembrada como diagnóstico diferencial em adolescentes consultados por dor pélvica aguda, recorrente, sem resolução após o tratamento clínico convencional.
Palavras-chave: TORÇÃO DE TROMPA/cirurgia; TROMPA DE FALÓPIO/patologia; LAPAROSCOPIA; MICROLAPAROSCOPIA/técnica; ADOLESCENTE.
TORÇÃO ISOLADA DE TROMPA: RELATO DE CASO. Modotti WP, Dias R, Bueno PR, Mussi M, Bergamasco J, Moitim SZ. Rev bras videocir 2003;1(4):152-156
torção anexial pode ocorrer apenas nas tubas uterinas, nos ovário, ou em ambos. É habitualmente um episódio agudo ou subagudo, de diagnóstico tardio e difícil, onde o tratamento conservador com preservação das estruturas anexiais nem sempre é factível. O diagnóstico precoce (quase nunca realizado) é primordial para permitir uma conservação tubárea. Após 36 e 48 horas da torção as lesões isquêmicas são irreversíveis.
Diagnóstico Clínico
A torção tubárea isolada é um episódio excepcional e de diagnóstico precoce incomum. Ela representa 2,7% das urgências ginecológicas, ocorrendo em 90% das vezes em mulheres adultas e apenas 5% em crianças.1 A primeira descrição na literatura de torção tubárea, em mulheres adultas, data de 1890, descrita por SUTTON.1 Em 1990, ISENBERG e SILICH reportaram três casos de torção tubárea isolada em adolescentes pré-puberes, seguidos de seis casos de DUFFY, HOLLAND e BARKER 1.
A torção tubárea pode manifestar-se por uma dor de forte intensidade, em uma das fossas ilíacas, de caráter contínuo, tipo cólica, de rápida evolução e com agravamento da dor. Habitualmente não apresenta quadro de alterações do hábito intestinal, mas pode apresentar polaciúria e disúria.2 Está freqüentemente associada a quadros com sintomas vagais (hipotensão, náuseas, vômitos e sudorese). O exame físico mostra abdômen com sinais brandos, depressível e sem reação peritoneal na maioria dos casos. Em casos subagudos os exames laboratoriais não contribuem substancialmente para o diagnóstico, exceto para o diagnóstico diferencial.2Diagnóstico por Imagem
O diagnóstico ecográfico, quando factível, é de grande utilidade3,4 permitindo a visualização de "tumor" hipoecóico, cístico e heterogêneo na maioria dos casos. A ecografia com estudo color doppler permite a avaliação do fluxo do tumor, indicando aumento na resistência ao fluxo nas artérias tubárias, acompanhado de diminuição do fluxo sistólico e inversão do fluxo diastólico, seguido de ausência de fluxo no interior do "tumor".4,5
A via endovaginal, apesar de ser mais precisa, nem sempre pode ser realizada em adolescentes. A ultra-sonografia em 3 dimensões pode trazer novos horizontes para o diagnóstico pré-operatório dessa patologia.1 A tomografia computadorizada e a ressonância nuclear magnética apresentam recursos diagnóstico de extrema validade. O uso dessas técnicas nem sempre está disponível na maioria dos serviços em nosso país e podem representar atraso no diagnóstico da patologia que pode resultar na perda do órgão afetado.Abordagem Inicial por Microlaparoscopia
Na ausência de contra-indicação, a laparoscopia é o método de eleição para o diagnóstico definitivo.1,6 Além de permitir a confirmação diagnóstica através da visualização do pedículo vascular torcido, pode avaliar o grau de comprometimento isquêmico da trompa envolvida, bem como patologias associadas.7 A microlaparoscopia sob anestesia local e sedação consciente é um exame de fácil aplicabilidade muito útil para o diagnóstico dessa patologia.8 A videolaparoscopia permite, tanto a confirmação diagnóstica quanto o tratamento cirúrgico, seja através da simples rotação inversa do pedículo torcido, conservando a trompa sempre que possível, ou mesmo da salpingectomia nos casos em que o anexo mostra visível comprometimento vascular irreversível.
RELATO DO CASO
A paciente de 14 anos foi encaminhada a nosso serviço de endoscopia ginecológica por uma colega ginecologista de cidade vizinha, após sucessivas consultas em pronto socorro e de algumas internações com quadro de dor no baixo ventre. Seu relato caracterizava a dor como central, de moderada intensidade, tipo cólica, acompanhado de náuseas, sem vômitos ou febre. Os sintomas apresentavam melhora parcial e temporária com a medicação sintomática endovenosa.
Ao ultra-som visualizou-se massa anexial direita, hipoecóica, de contornos regulares, medindo 75 x 61 x 60 mm (volume de 142,7 cm3) com "imagem floculada" em seu interior, sugestiva de corpo lúteo hemorrágico. Não foi visualizado ovário direito e não foi evidenciada nenhuma anormalidade adicional a massa (Figura 1).
Figura 1 - Cisto anexial direito visualizado ao ultra-som.
Os exames laboratoriais pedidos, hemograma, glicemia, eletrólitos e urina I, não ajudaram na conclusão diagnóstica, exceto por permitir a exclusão de patologias dentro do diagnóstico diferencial.
Na ocasião, já em nosso serviço, foi suspeitado de cisto anexial direito torcido, onde a mesma foi enviada para videolaparoscopia.
Optou-se por realizar uma microlaparoscopia, sob anestesia local e sedação consciente 9, no intuito de melhor elucidar o diagnóstico suspeitado e evitar terapêutica mais agressiva. Sob a visão microlaparoscópica foi encontrado cisto anexial volumoso, com torção do pedículo e importante quadro isquêmico, apresentando massa tumoral de coloração violácea a negra (Figura 2).
Figura 2 - Cisto de trompa torcido (diagnóstico laparoscópico).
Decidido pela conversão da microlaparoscopia para laparoscopia convencional, sob anestesia geral inalatória, seguida de tentativa de rotação inversa da massa sob o eixo de seu pedículo. Após manobras habituais de rotação da massa, aguardou-se pelo retorno da coloração normal, o que não ocorreu. Foi, então, realizada uma salpingo-oforectomia à direita (Figura 3).
Figura 3 - Aspecto do tratamento videolaparoscópico.
O exame anátomo-patológico mostrou cisto de trompa hemorrágico acompanhado de importante necrose tecidual (Figura 4).
Figura 4 - Anátomo-patológico da peça _ cisto de trompa hemorrágico com focos de necrose tecidual.
Evolução
A paciente apresentou boa evolução pós-operatória, recebendo alta 12 horas após o procedimento cirúrgico. A menor retomou suas atividades escolares três dias após a cirurgia, com completa resolução do quadro álgico.
COMENTÁRIOS
A torção isolada de trompa é rara e usualmente ocorre na presença de doença tubária pré-existente, com hidrossalpinge, sinéquias decorrentes de cirurgias prévias, incluindo laqueadura tubárea ou associado com a torção de ovário normal ou acometido por qualquer patologia.6
O mecanismo de torção das estruturas anexiais tem sido atribuído a mesossalpíngeos longos, persistência de artéria uterina em espiral, variações bruscas de pressão abdominal, alterações da posição corpórea, além da presença de tumorações anexiais.7
O diagnóstico clínico é difícil e excepcional. No caso relatado o atraso no diagnóstico culminou com o sacrifício da trompa direita devido ao intervalo longo entre o início do comprometimento vascular e o tratamento definitivo. Na maioria dos casos apresentados na literatura esse é o trágico desfecho dessa patologia.1,4 As torções tubárias isoladas são excepcionalmente diagnosticadas em tempo hábil de salvar a trompa comprometida.1
As possibilidades de tratamento são variadas. O tratamento clínico conservador - com expectativa de rotação espontânea inversa do pedículo e retorno do suprimento vascular, pode ser aventado. Esse evento parece ocorrer com demasiada freqüência, porém, implica no atraso do tratamento definitivo e risco de maior comprometimento vascular e tecidual. O tratamento cirúrgico pode ser realizado pela via laparotômica ou laparoscópica. A via laparoscópica apresenta benefícios já conhecidos e deve ser empregada sempre que possível. O tratamento consiste na simples rotação inversa do pedículo, com observação do retorno da coloração habitual da trompa. Quando isso não ocorre a salpingectomia é a alternativa final. A salpingopexia pode ser empregada quando existir evidências de possibilidade de novas torções homo ou contra-lateral.CONCLUSÃO
O diagnóstico de torção tubária isolada apesar de raro e difícil deve ser sistematicamente lembrado dentro dos diagnósticos diferenciais da dor pélvica aguda ou sub aguda, principalmente em adolescentes. O método de eleição para o diagnóstico clínico é a ultra-sonografia, complementada com o color doppler.
A resolução cirúrgica é impositiva nos quadros sem melhora clínica e a laparoscopia é o método de escolha para esse fim. A microlaparoscopia sob anestesia local e sedação consciente mostrou-se muito útil no diagnóstico definitivo, porém, no caso relatado não impediu a extirpação do anexo.
A utilização mais ampla da microlaparoscopia, sob anestesia local e sedação consciente, como método diagnóstico seguro e definitivo pode levar ao diagnóstico mais precoce e menor incidência de extirpação dos anexos.
Por se tratar de uma metodologia minimamente invasiva deve ser empregada com maior freqüência e deve estar disponível nos centros de atendimento de urgência.
ABSTRACT
Isolated torsion of the fallopian tube is an uncommon event, of difficult diagnosis and not very frequent early treated. The authors describe a case of an adolescent with an isolated torsion of right fallopian tube two weeks history of pelvic pain. A diagnosis microlaparoscopy was accomplished and treated quickly with unilateral salpingectomy. In spite of not very frequent the diagnosis of this pathology should always be reminded in adolescents consulting with sharp pelvic pain without resolution after the conventional clinical treatment.
Keywords: TUBE TORSION/surgery; FALLOPIAN TUBE/pathology; LAPAROSCOPY; MICROLAPAROSCOPY/technique; ADOLESCENT.
Referências Bibliográficas
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8. odotti WP. Estudo descritivo da minilaparoscopia em pacientes com algia pélvica. Dissertação de mestrado na Faculdade Medicina de Botucatu/SP - Universidade Estadual Paulista, 1999.
9. Modotti WP, Dias R. Utilização da minilaparoscopia em pacientes com algia pélvica. RBGO 2000;22(2):95-100.ENDEREÇO PARA CORRESPONDÊNCIA
WALDIR PEREIRA MODOTTI
Rua Nágila Jubran _ 40 (Jd Europa)
19800-000 _ Assis
São Paulo, Brasil
e-mail: waldirmodotti@yahoo.com.br
(1) Diretor Clínico do Instituto de Atendimento à Mulher, Assis/SP, Pós-Graduando (doutorado) na F. M. Botucatu, SP _ UNESP, Professor de Ginecologia e Encarregado pelo Serviço de Endoscopia Ginecológica da F.M. Marília, SP - UNIMAR
(2) Professor Adjunto do Departamento de G.O. da F.M. Botucatu, SP - UNESP
(3) Cirurgião Infantil do Instituto de Atendimento à Mulher - Assis, SP
(4) Ginecologista do Instituto de Atendimento à Mulher - Assis, SP
(5) Acadêmica da F.M. Taubaté, SP - UNITAU
(6) Acadêmica da F.M. Marília, SP - UNIMAR
Recebido em 28/11/2003
Aceito para publicação em 04/12/2003