ANO 04 Nº 7 - Maio de 2001


A LAPAROSCOPIA NOS TESTÍCULOS NÃO PALPADOS EM CRIANÇAS, AVALIAÇÃO DO TRATAMENTO PELA TÉCNICA DE “FOWLER-STEPHENS” EM DOIS TEMPOS

LAPAROSCOPY IN CHILDREN WITH NONPALPABLE TESTICLE - EVALUATION AND TREATMENT WITH TWO-STAGE “FOWLER- STEPHENS” PROCEDURE.


Paschoal Napolitano Neto(1)

Ricardo A. Issas(2)

Antonio Paulo Durante(3)


Hospital Prof. Edmundo Vasconcelos, Hospital da Criança (Hospital Nossa Sra. de Lourdes) São Paulo - Brasil.


RESUMO

Com objetivo de avaliarmos o uso da laparoscopia no diagnóstico do testículo não palpado na criança e o seu tratamento pela técnica de “Fowler-Stephens” em dois tempos, 39 meninos foram submetidos a um procedimento vídeo laparoscópico para diagnosticar-se a exata condição e posição de seus testículos. O procedimento também serviu para preparar os testículos abdominais que eram viáveis, ligando e seccionando os seus vasos espermáticos para posteriormente realizar-se a orquidopexia a céu aberto, o que ocorreu após pelo menos 4 meses, tempo mínimo esperado para o desenvolvimento da circulação deferencial se hipertrofiar e irrigar o testículo.
    Os resultados obtidos são iguais ao da literatura atual com resultado estético muito bom, a maioria dos testículos bem posicionados no escroto e com um índice de atrofia testicular menor do obtido pela cirurgia de Fowler-Stephens tradicional em um só tempo, referido na literatura.



Pacientes e Método

No nosso grupo de pacientes examinados e tratados no período de setembro de 1994 a janeiro de 2001, 30 são brancos e 9 são pretos; com as idades variando entre 3 meses e 13 anos (idade média de 50 meses).
    O exame físico dos pacientes mostrou 44 testículos não palpados sendo 16 à direita, 18 à esquerda e em 5 casos bilateral.
    A indicação da videolaparoscopia foi sempre baseada no exame físico detalhado e não em exames de imagem, apesar de em alguns casos os pacientes nos terem sido encaminhados já com Ultra-sonografia; acreditamos que um exame físico com a criança despida, em sala sem ar condicionado ativado, calma e sem estar chorando, nos proporciona a realização de uma propedêutica adequada e que dispensa outros exames.
    Naqueles casos de bilateralidade, não havendo hérnia inguinal associada o que forçaria um outro tratamento mais rápido, sempre começamos com hormônioterapia (gonodotrofina coriônica) já com 1 ano de idade, antes da indicação do exame laparoscópico.
    O procedimento laparoscópico se realizou sempre em ambiente de centro cirúrgico, com o paciente sob anestesia geral inalatória, ventilação assistida e curarizado. Em todos os procedimentos observamos para que a bexiga esteja vazia e deixamos o paciente em decúbito de Trendellemburg de +/- 20o a 30o e o paciente é novamente examinado detalhadamente a procura do testículo.
    O pneumoperitônio então foi feito com agulha de Veress por punção umbilical e utilizou sempre CO2 a uma pressão variando entre 7 e 10 mm de Hg com fluxo 1,5 a 2,0 litros por minuto.
    Em um de nossos casos a punção da agulha de Veress atingiu um vaso causando sangramento intenso e o procedimento foi convertido e abortado, tendo o paciente sido operado mais tarde por via convencional.
    Nos casos de testículos atróficos a orquiectomia foi realizada no primeiro tempo e em cinco pacientes portadores de testículo ectópico inguinal superficial contralateral, a orquidopexia vídeo endoscópica foi realizada neste primeiro tempo.
    O segundo tempo da cirurgia foi realizado sempre por via convencional, pelo menos 4 meses após a primeira cirurgia, tempo esperado para que ocorresse o desenvolvimento da circulação deferencial e do gubernáculo (semelhante a uma autonomização de retalho nos casos de cirurgia plástica); convém citar que em alguns casos os pacientes só retornaram algum tempo depois do recomendado, por motivos próprios e não por nossa orientação, o que prejudicou sobremaneira nossa avaliação do tempo correto para a realização do segundo procedimento.

Técnica Laparoscópica

Com o correto diagnóstico clínico de testículo não palpado nós procedemos a videolaparoscopia que em menos de minuto nos mostra: se há ou não testículo, se é viável ou não, se há conduto peritoniovaginal aberto ou não ou ainda se o testículo pode ser introduzido por este canal e chegar ao escroto e lá ser fixado.
    A técnica laparoscópica é a clássica descrita por Lobe em 1994 (10) que utiliza três trocartes sendo um umbilical para a ótica e outros dois localizados sempre lateralmente ao umbigo, às vezes mais alto ou às vezes mais baixo, dependendo do paciente ser menor ou maior (brevilíneo ou longilíneo). Todos os portais são de 5 mm e utilizamos trocartes descartáveis Ethicon para a ótica e para o de trabalho principal, podendo o outro ser permanente.
    A partir da introdução da ótica, o procedimento depende do que foi encontrado, ou seja: nos casos de “vanishing testis” onde os vasos e o deferente se perdem abrindo em leque e não vemos nenhum tecido testicular, só confirmamos a não existência de hérnia inguinal indireta e encerramos o procedimento; nos casos de testículo visivelmente atrófico ou quando os vasos espermáticos e deferentes penetram na região do canal inguinal e realmente nada palpamos, abrimos o peritônio e trazemos o tecido testicular para a cavidade e realizamos a orquiectomia ligando os vasos espermáticos e deferentes e do gubernáculo, enviando o material para exame anátomo patológico; no caso de testículos abdominais viáveis e com pedículo longo, com chances de chegar até o fundo da bolsa optamos por realizar a orquidopexia fixando-se o testículo no escroto pela técnica de bolsa subdártica e finalmente, naqueles casos que são o motivo deste trabalho, quando o testículo é intra-abdominal e viável, mas não tem condições de ser fixado no escroto, procedemos à ligadura dos vasos espermáticos abrindo uma pequena janela no peritônio, perto do testículo de 1 a 2 cm. de distancia e usando um clipador de 5 mm (Ligaclip Alport AL 110) colocamos dois clipes e em seguida seccionamos artéria e veia, ou procedemos a uma ligadura com o Bisturi Harmônico (Ultracision) de 5 mm. que corta e coagula os vasos ao mesmo tempo, nos casos de bilateralidade os vasos são ligados em ambos os lados no mesmo procedimento.
    Desta maneira deixamos ficar o testículo por pelo menos 4 meses.
    Após a retirada dos trocartes todos os portais são fechados com sutura do peritônio, pois em crianças a possibilidade de uma hérnia de omento pelo orifício é maior que no adulto e poderá causar obstrução e torção de alça intestinal.
    O segundo estágio foi realizado após no mínimo 4 meses e a cirurgia foi sempre pela via aberta convencional, por inguinotomia transversa, tomando-se o cuidado de não lesar o gubernáculo nem o deferente e sua vascularização que apareceu sempre hipertrofiada e muito aderida ao peritônio posterior tornando-se o seu isolamento a parte mais difícil e delicada do procedimento, isto feito nota-se que o testículo que na grande maioria das vezes estava viável fica solto e é facilmente colocado na bolsa e fixado pela técnica subdártica.. Nos casos de bilateralidade o segundo tempo é realizado com um a dois meses de intervalo entre um lado e outro, nunca os dois lados de uma só vez, para não sobrecarregar o escroto que em geral é hipotrófico.

Aspecto do testículo no segundo tempo, A=local da ligadura dos vasos; B=deferente; C=gubernáculo

Figura 1 - Aspecto do testículo no segundo
tempo, A=local da ligadura dos vasos;
B=deferente; C=gubernáculo.

Resultados

O resultado do exame clínico dos pacientes mostrou 44 testículos não palpáveis sendo 16 à direita, 18 à esquerda e 5 bilaterais; tendo mostrado também em 5 casos testículos ectópicos inguinais que foram operados e realizada a orquidopexia por via laparoscópica no procedimento que avaliava o outro testículo intra-abdominal.
   A avaliação laparoscópica encontrou: dos 16 testículos direitos não palpados 10 eram intra-abdominais, 5 atróficos e 1 era evanescente (anorquia); já dos 18 testículos esquerdos não palpados 7 eram intra-abdominais, 7 atróficos e 4 eram evanescentes (anorquia); finalmente dos 5 bilaterais em 4 eram intra-abdominais viáveis e foram clipados, o outro paciente tinha os testículos atróficos no canal inguinal e foi então orquiectomizado à esquerda que era o testículo menor e deixado o direito sem manipulação (paciente tinha problema neurológico grave por anóxia de parto).
   Com este resultado do exame laparoscópico realizamos os seguintes procedimentos: a ligadura dos vasos em 10 testículos direitos, em 6 testículos esquerdos (um foi o acidente referido e o procedimento abortado) e em 8 testículos de meninos bilateralmente afetados; a orquiectomia em 5 testículos direitos e em 8 testículos esquerdos.
   O procedimento do segundo tempo já foi realizado em 18 dos testículos clipados, dos 6 restantes 2 aguardam o segundo tempo e 4 se perderam, ou não fizeram o segundo tempo ou não retornaram após para a devida avaliação.
   Dos 18 testículos que completaram o tratamento, 2 à esquerda atrofiaram (um dos quais foi do início do projeto e ao rever o registro em VT concluímos que era atrófico e deveria ter sido removido já no 1º tempo), os outros testículos se encontram palpáveis no escroto, de bom tamanho e na grande maioria dos casos em posição médio escrotal ou baixa, em 2 casos a posição é alta, mas na bolsa.

orquidopexia videolaparoscópica no primeiro tempo

Figura 2 - resultado de
orquidopexia videolaparoscópica
no primeiro tempo


Discussão

O diagnóstico da ausência de um dos testículos no escroto logo na lactência ou 1ª infância do bebê é de grande apreensão para os pais que se deparam com um tratamento cirúrgico inevitável, mas que no geral tem muito bom resultado, a grande angústia se torna visível quando o testículo ausente não é palpável e não há sinais de cordão espermático palpável no canal inguinal para já de início diagnosticarmos uma atrofia testicular.
   A Ultra-sonografia vai mostrar ausência de testículo no canal inguinal, a Tomografia (que requer anestesia) não vai achar o testículo, pois a massa testicular é facilmente confundida com um gânglio ou com um fecalito e a Ressonância Magnética (que também requer anestesia) vai talvez encontrar o testículo intra-abdominal, mas só recomendar o tratamento cirúrgico.
   Com a videolaparoscopia nós fazemos o diagnóstico da posição, da condição e da possibilidade do testículo ser tratado no mesmo ato cirúrgico ou com a técnica em dois tempos utilizada pelos autores, e em questão de minutos; a decisão da ligadura significa que colocaremos mais dois portais e em menos de 5 minutos já realizamos o procedimento e no mesmo dia a criança recebe alta para casa, sem restrições físicas; no caso de realizarmos a orquidopexia pela via laparoscópica a alta também será no mesmo dia, mas mantemos o paciente em casa e em repouso relativo por 3 dias.
   Como em outros procedimentos laparoscópicos, aqui também a dor no Pós-operatório é menor e a recuperação em breve espaço de tempo.
   A cirurgia baseada nos estudos de Fowler & Stephens (13) que em 1959 trouxeram novo alento para as crianças com testículos abdominais altos e com vasos curtos, ligava os vasos espermáticos e visava utilizar a circulação do deferente e do gubernáculo para irrigar os testículos, era feita em um só tempo e quando não se fazia a escolha do procedimento logo no início da cirurgia corria-se o risco de lesar o gubernáculo e inviabilizar a técnica. Com isto e outros detalhes técnicos o número de atrofia testicular era alto.
   Com o advento da videolaparoscopia onde o cirurgião fica com as mãos livres para trabalhar enquanto vê os órgãos internos do abdome houve então um novo alento para os casos de testículos intra-abdominais, eles passaram a ser melhor visualizados, melhor avaliados e também manipulados de maneira mais delicada, diminuindo assim a lesão de sua irrigação colateral quando da ligadura dos vasos espermáticos o que possibilita a preservação do testículo. Devemos lembrar que o fato do testículo se manter viável nem sempre significa que irá manter sua capacidade hormonal e espermatogênica (11).
   Em nossa casuística, fruto de um trabalho prospectivo, mas com pequeno número de pacientes e muito abandono do protocolo, podemos notar alguns itens de interesse geral a saber: a) o testículo não palpado a esquerda eram atróficos ou ausentes em 11 dos 18 casos, enquanto que à direita eram atróficos ou ausentes 6 em 16 casos; b) dos 13 testículos atróficos orquiectomizados 62% dos pacientes eram menores de 3 anos; c) dos 05 testículos ausentes (“vanishing”) 75% dos pacientes eram menores de 3 anos; d) dos testículos clipados só apresentaram atrofia 2 casos de testículos à esquerda após a realização do 2º tempo e nenhum à direita; e) os testículos após os 4 meses ou mais de ligadura dos vasos se apresentaram muito bem vascularizados e desenvolvidos; f) não houve dificuldade para se realizar a orquidopexia no 2º tempo na maioria dos casos e finalmente g) em 14 dos 16 testículos clipados e acompanhados regularmente por nós a posição do testículo no escroto é classificada como boa.

Ultra-sonografia no controle pós-operatório final onde o testículo que teve os vasos ligados, foi o esquerdo

Figura 3 - Ultra-sonografia no
controle pós-operatório final onde o
testículo que teve os vasos ligados,
foi o esquerdo.

Conclusão

Com os resultados obtidos nesta avaliação que se assemelham aos resultados da literatura atual, podemos concluir que a vídeo laparoscopia não somente veio trazer novas perspectivas para o diagnóstico e tratamento do testículo não palpado, como também já estão mostrando os bons resultados obtidos com a sua utilização na técnica de Orquidopexia a Fowler-Stephens estadiada em 2 tempos.



Bibliografia

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3. Merguerian, P.A.; Mevorach, R.A.; Shortliffe, L.D.; Cendron, M.: Laparoscopy for the evaluation and management of the nonpalpable testicle. Urology1998 May; 51(5 A Suppl):3-6.
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8. Lotan, G.; Klin, B.; Vinograd, I. : Laparoscopic-Guided Second-Stage Fowler-Stephens procedure for Nonpalpable Testis in Children; Ped. Endosurgery & Inov. Tech. 1997 Nov 1(1) 43-46
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10. Lobe; Thom, E.: Pediatric Laparoscopy and thoracoscopy / Thom E.Lobe, Kurt P. Schropp. 1994 . W B Saunders Company
11. Salman, F.S.; Fonkalsrud, E.W.: Effects of spermatic vascular division for correction of the high undescended testis on testicular function. Amer. J. Surg, 160: 506-510,1990
12. Fowler, R.;, Stephens, F.D.: The role of testicular vascular anatomy in the salvage of high undescended testis. Aus. N. Z. J. Surg. 1959. 29: 92


Correspondências

Dr. Paschoal Napolitano Neto
Hospital Prof. Edmundo Vasconcelos
R. Borges Lagoa no. 1450
São Paulo - SP
CEP – 04038-905
E-mail: cirpedpn@ifxbrasil.com.br




 

(1) Chefe do Serviço de Cirurgia Pediátrica do Hosp. Prof. Edmundo Vasconcelos; Pós-graduando da Disciplina de Cirurgia Pediátrica da Escola Paulista de Medicina - UNIFESP.

(2) Assistente do Serviço de Cirurgia Pediátrica do Hosp. Prof. Edmundo Vasconcelos

(3) Assistente do Serviço de Cirurgia Pediátrica do Hosp. Prof. Edmundo Vasconcelos; Pós-graduando da Disciplina de Gastrocirurgia do Hosp. Francisco M. Oliveira do Servidor Público do Estado SP.