ANO 04 Nº 7 - Maio de 2001
EFICÁCIA DA INFILTRAÇÃO ANESTÉSICA NA HISTEROSCOPIA AMBULATORIAL
THE EFFICACY OF INTRACERVICAL LIDOCAINE IN OUTPATIENT HYSTEROSCOPY
Marcelo Esteve(1)
Sandra Schindler(2)
Simone Borges Machado(3)
Silvana Argolo Borges(3)
Claudia Ramos Santos(3)
Elsimar Coutinho(4)
Trabalho realizado no CEPARH, Rua Manoel Matias de Azevedo 145 Centro, Cep 44. , Feira de Santana, Bahia.
RESUMO
A histeroscopia diagnóstico é hoje um procedimento rápido, realizado em ambiente ambulatorial, mas que causa certo grau de desconforto às pacientes.Com o objetivo de avaliar a eficácia da anestesia intracervical neste exame, realizamos estudo randomizado duplo-cego comparando a lidocaina com placebo. MÉTODOS : As pacientes foram divididas em dois grupos: grupo amarelo com lidocaina (34 pacientes) e grupo vermelho com solução salina (28 pacientes) e solicitadas a quantificar a dor durante quatro momentos distintos: T1- durante o exame, T2 – no momento da biopsia, T3- ao final do exame e T4- 30 minutos após o final do exame. RESULTADOS: Durante a realização do exame (T1) o grupo amarelo apresentou uma diferença estatisticamente significante quando comparado ao grupo vermelho (mediana de 2,5 e 5,0 cm, respectivamente).Não houve diferença estatisticamente significante em T2, T3 ou T4. CONCLUSÃO: Nossos resultados sugerem que a anestesia intracervical é capaz de reduzir a sensibilidade da cervix, o que justificaria a diferença encontrada entre os grupos durante o primeiro momento do exame (T1), mas seria insuficiente para bloquear os estímulos que surgem do fundo uterino com a distensão e a manipulação da cavidade.
INTRODUÇÃO
O sangramento uterino anormal é o responsável por 1/3 de todas as consultas ginecológicas e esta proporção cresce para 3/4 quando consideramos as pacientes peri e pós-menopausadas. Até recentemente, a curetagem uterina era o único método de avaliação diagnóstica desta patologia, porém, este procedimento além de realizado sob anestesia geral não é capaz de diagnosticar lesões focais. (Gimpelson et al, 1988).
Realizando 618 histeroscopias diagnósticas com biopsia em pacientes com mais de 45 anos e sangramento uterino anormal, Mencaglia et al (1987) relataram endométrio normal ou hipotrófico em 54% dos casos, hiperplasia de baixo grau em 12,6%, hiperplasia de alto grau em 1,3% e adenocarcinoma em 10,6%.A histeroscopia quando comparada aos achados histológicos revelou precisão diagnóstica de aproximadamente 100%, 87,5% e 65,2% para a neoplasia endometrial, hiperplasia de alto grau e hiperplasia de baixo grau, respectivamente. Como não foi encontrada alteração endometrial em mais da metade (54%) dos casos, os autores questionaram a necessidade de um procedimento mais invasivo e dispendioso como a curetagem uterina na avaliação destas pacientes.
Atualmente, a histeroscopia diagnóstica é considerado o exame de escolha na investigação do sangramento uterino anormal. Realizado em ambiente ambulatorial dispensa o uso de anestesia geral e de hospitalização. Porém uma das desvantagens deste método é o desconforto apresentado por algumas pacientes, especialmente aquelas submetidas à biópsia endometrial ou aquelas com estenose cervical.
O papel da anestesia local na histeroscopia diagnóstica permanece controvertido (Vercellini et al, 1994; Zupi et al, 1995). Com o objetivo de avaliar a eficácia da lidocaina a 2%, realizamos estudo randomizado duplo-cego comparando a lidocaina intracervical com solução salina.MATERIAL E MÉTODOS
O estudo foi realizado durante o III Curso Teórico-Prático de Histeroscopia Diagnóstica no Centro de Pesquisa e Assistência em reprodução Humana (CEPARH) em Feira de Santana - Bahia, Brasil.
As pacientes foram divididas em dois grupos: grupo amarelo (34 pacientes) e grupo vermelho (28 pacientes) de acordo com a ordem de chegada ao consultório, tendo sempre o cuidado de alternar os grupos.
Os exames foram realizados por único médico ginecologista.
Antes do exame as pacientes participavam de uma palestra com 20 minutos de duração, onde o médico explicava como era feito o exame e como quantificar a dor, através da escala visual da dor descrita por Huskisson em 1974 (figura 1).
Todas as pacientes receberam anestesia intracervical às 1, 5,7 e 11 h com seringa odontológica, sendo que as do grupo amarelo utilizaram 4 ampolas de 2ml com cloridrato de lidocaina a 2% sem vaso constritor; e as do grupo vermelho, ampolas manipuladas previamente com SF 0,9% . Nem as pacientes nem os médicos envolvidos no exame tinham conhecimento do verdadeiro conteúdo das ampolas, identificadas exclusivamente por uma pequena etiqueta amarela ou vermelha.
O exame foi realizado com histeroscópio rígido de 4mm de diâmetro. O meio de distensão utilizado foi o CO2 ( Histeroflator-ENDOVIEW )e a luz, halógena de 250W. Biopsia endometrial foi realizada em todos os casos.
As pacientes foram solicitadas a quantificar a dor durante 4 momentos distintos: T1 – durante o exame. T2 – no momento da biopsia. T3 – ao final do exame e T4 – 30 minutos após o final do exame.
A indicação do exame encontra-se nos quadros 1 e 2 e os achados histeroscópicos nos quadros 3 e 4. Na análise estatística foram utilizados os testes de Shapiro-Wilk para a verificação da aderência à distribuição normal das variáveis do estudo, a prova de Mann-Whitney para a comparação das distribuições das variáveis entre grupos independentes (2 a 2) e a prova do sinal para a comparação entre amostras dependentes (2 a 2).RESULTADOS
Inicialmente 65 pacientes foram estudadas, porem o exame não pode ser realizado em 2 pacientes do grupo amarelo e 1 do grupo vermelho devido à estenose do orifício interno.
A idade mediana do grupo amarelo foi de 48 anos e a do grupo vermelho 41,5anos. Não houve diferença estatisticamente significante entre os grupos.
Os resultados por nós obtidos encontram-se nas tabelas 1 e 2.
Durante a realização do exame (T1) o grupo amarelo apresentou uma diferença estatisticamente significante quando comparado ao grupo vermelho (mediana de 2,5 e 5,0 cm, respectivamente). Não houve diferença estatisticamente significante em T2, T3 ou T4.
Comparando o escore de dor do mesmo grupo em momentos diferentes, observamos que não houve diferença estatisticamente significante entre o momento da realização do exame (T1) e da biopsia endometrial (T2) em ambos os grupos. Diferença estatisticamente significante foi encontrada entre T1T3, T1T4, T2T3, T2T4 e T3T4 em ambos os grupos.
X DP
Min
Q1
Md
Q3
Mx
P valor A 44,9 13,9 20 32 48 57 70 IDADE 0,9211 V 44,7 12,3 27 35,5 41,5 54 71 A 2,6 2,2 0 0 2,5 5,0 8,0 T1 0,0170* V 4,3 3,0 0 2,0 5,0 7,0 10 A 3,2 2,5 0 1,0 2,5 5,0 8,0 T2 0,1093 V 4,5 3,2 0 2,0 3,0 7,5 10 A 1,7 1,7 0 0 2,0 2,0 7,0 T3 0,7181 V 1,8 1,7 0 0,2 1,0 3,0 6,0 A 0,9 1,2 0 0 1,0 1,0 5,0 T4 1,000 V 1,1 1,6 0 0 0,5 1,5 6,0 A-Grupo amarelo (com anestésico)
V - Grupo vermelho (placebo)
* valor de P < 0,05 (estatisticamente significante).Tabela 1 - Estatística descritiva para as variáveis em estudo
e valor de p para comparação entre grupos
T1T2
T1T3
T1T4
T2T3
T2T4
T3T4
GRUPO A 0,0947 0,0484* 0,0001* 0,0001* 0,0001* 0,0119* GRUPO V 0,9666 0,0001* 0,0001* 0,0001* 0,0001* 0,0157* A-Grupo amarelo (com anestésico)
V - Grupo vermelho (placebo)
* valor de P < 0,05 (estatisticamente significante).Tabela 2- Valor de p para a comparação dos scores de dor intergrupo.
Discussão
A histeroscopia diagnóstica sob anestesia local é um procedimento já descrito na literatura, porém, o uso do bloqueio para-cervical, além de ser um procedimento traumático que causa certo desconforto a paciente, oferece os riscos inerentes das substâncias anestésicas. Sendo assim, torna-se de fundamental importância avaliar o verdadeiro papel da anestesia local na histeroscopia diagnostica.
Jong et al (1990) realizando histeroscopia sob bloqueio para-cervical observaram que 90% das pacientes classificaram a dor durante o procedimento como tolerável. Não foram relatadas complicações e nenhuma paciente necessitou de hospitalização após o exame, porém, neste estudo, não houve grupo controle.
Com o objetivo de demonstrar a eficácia da anestesia tópica endometrial, Zupi et al (1995) relataram a redução da dor durante a histeroscopia e a biopsia endometrial com lidocaina a 2% injetada transcervicalmente na cavidade uterina, através de um cateter de 3mm de diâmetro, quando comparada com grupo placebo.
Por outro lado Vercellini et al (1994) não evidenciaram redução da dor nas pacientes submetidas a histeroscopia diagnóstica sob bloqueio para-cervical quando comparadas com aquelas sem anestesia. De forma semelhante Broadbent et al (1992) também não encontraram diferença estatisticamente significante entre o grupo submetido a histeroscopia diagnostica sob anestesia intracervical e o grupo placebo.
Embora tenhamos encontrado uma diferença estatisticamente significante entre o grupo com lidocaina e o grupo placebo durante a realização do exame (T1), esta diferença não persistiu em T2, T3 e T4. Porém, quando as pacientes foram questionadas se realizariam o exame, outra vez, com a mesma anestesia: 97% do grupo com lidocaina responderam que sim enquanto apenas 64,3% do grupo placebo permitiriam o exame.Conclusão
Nossos resultados sugerem que a anestesia intracervical é capaz de reduzir a sensibilidade da cervix, o que justificaria a diferença encontrada entre os grupos durante o primeiro momento do exame (T1), mas seria insuficiente para bloquear os estímulos que surgem do fundo uterino com a distensão e a manipulação da cavidade. Mesmo assim, acreditamos que a anestesia intracervical é um procedimento seguro que deva ser utilizado em todas as pacientes, especialmente naquelas com estenose cervical.
Alterações ao USG (14)41.2% Sangramento uterino anormal no menacme (7 )20,6% Infertilidade (6) 17,6% Sangramento da pós-menopausa (2) 5,9% Teste de progesterona positivo (2) 5,9% Controle histeroscópico (3) 8,8% Quadro 1 – Indicações de histeroscopia diagnóstico no grupo
com anestesia.
Alterações ao USG (14)50% Sangramento uterino anormal no menacme (4) 14,3% Infertilidade (5) 17,8% Sangramento da pós-menopausa (4) 14,4% Teste de progesterona positivo (1) 3,6% Controle histeroscópico (3) 8,8% Quadro 2 – Indicações de histeroscopia diagnóstico no
grupo placebo.
Cavidade normal (15) 44,1% Pólipo endometrial (9) 26,5% Mioma submucoso (2) 5,9% Diu encravado (2) 5,9% Pólipo endometrial + endometrite (1) 2,9% Pólipo endometrial + pólipo endocervical (1) 2,9% Espessamento endometrial focal (1) 2,9% Endométrio disfuncional (1) 2.9% Pólipo endocervical (1) 2,9% Sinequias (1) 2,9% Quadro 3 – Achados histeroscópicos no grupo com
anestesia.
Cavidade normal (13) 46,4% Pólipo endometrial (5) 17,8% Cavidade atrófica (3) 10,7% Adenomiose (1) 3,6% Pólipo endometrial + endometrite (1) 3,6% Pólipo endometrial + pólipo endocervical (1) 3,6% Espessamento endometrial focal (2) 7,1% Endométrio disfuncional (2) 7,1% Quadro 4 – Achados histeroscópicos no grupo placebo.
ABSTRACT
Objective:
Diagnostic hysteroscopy today is a fast procedure carried out on an outpatient basis but which still causes a certain degree of discomfort to patients. This randomized, double-blind study in which lidocaine is compared to a placebo was designed to evaluate the efficacy of intracervical anesthesia during this procedure. Design: Patients were divided into two groups: Group I consisting of 34 patients who were given lidocaine and Group II consisting of 28 patients who were given a saline solution. Both groups of patients were asked to quantify their pain at four different moments: T1- during hysteroscopy, T2 – during the biopsy, T3 - at the end of the procedure and T4 – thirty minutes after the end of the procedure. Results: During hysteroscopy (T1) there was a statistically significant difference between the two groups (a median of 2.5 cm versus a median of 5.0 cm respectively). There was no statistically significant difference between the two groups at T2, T3 or T4.
Conclusions:
These results suggest that intracervical anesthesia is able to reduce cervical sensitivity, as shown by the difference found between the two groups at T1, but is insufficient to block the uterine stimuli resulting from distension and manipulation of the uterine cavity.
Keywords: Hysteroscopy, Anesthesia, measurement of pain, lignocaine
(1) Chefe da Unidade de Endoscopia Ginecológica do CEPARH Feira de Santana.
(4) Professor, Presidente do CEPARH.