Órgão Oficial de Divulgação Científica da
Sociedade Brasileira de Videocirurgia

ISSN: 1679-1796
ANO 4 Vol.4  Nº 4 -Out/Dez 2006

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Redução e Reparo Laparoscópico de Emergência de um Volvo Gástrico Intratorácico após Fundoplicatura de Nissen

Emergency Laparoscopic Reduction and Repair of an Intrathoracic Gastric Volvulus in a Patient with a Former Nissen Fundoplication

Gustavo L. Carvalho1,2, Frederico W. Silva2, Mayumi Haruta2, Pedro Paulo C. de Albuquerque1, Daniel G. Araújo1, Thiago G. Vilaça1


1 Faculdade de Ciências Médicas - FCM / UPE - Recife-PE, Brasil 2 Clínica Cirúrgica Videolaparoscopica Gustavo Carvalho



O volvo gástrico intratorácico é uma complicação incomum após uma fundoplicatura laparoscópica à Nissen. Nesta condição, o estômago apresenta uma torção organoaxial ou mesenteroaxial na cavidade torácica conseqüente a uma dilatação ou ruptura do hiato diafragmático. Este relato objetiva demonstrar a factibilidade e segurança do tratamento laparoscópico de emergência de uma Hérnia Paraesofágica Gigante associada a um volvo gástrico intratorácico. Um paciente de 49 anos com doença do refluxo gastroesofágico, apresentando esôfago de Barrett, foi tratado com uma fundoplicatura a Nissen laparoscópica. Doze horas após o procedimento cirúrgico, ele apresentou crises repetidas de vômitos e fortes dores no hemitórax esquerdo, sendo hospitalizado com suspeita de infarto agudo do miocárdio. Após radiografia torácica, foi confirmado o diagnostico de um volvo gástrico ocupando todo hemitórax esquerdo. O paciente foi submetido a uma redução laparoscópica do volvo e reconstrução do hiato diafragmatico em caráter de emergência. O procedimento cirúrgico transcorreu sem intercorrências ou complicações e após 72 horas o paciente recebeu alta, permanecendo assintomático até o momento. No segundo mês de pós-operatório, foi realizada uma endoscopia de controle, que verificou a ausência de hérnia hiatal ou refluxo gastroesofágico.

Palavras-chave: Volvo GÁstrico, IntratorÁcico, Anti-refluxo, HÉrnia DiafragmÁtica, Laparoscopia, Cirurgia.

The Intrathoracic gastric volvulus is an uncommon complication after laparoscopic fundoplication, in which the stomach suffers an organoaxial torsion occurring in the chest due to rupture or enlargement of the diaphragm's esophageal hiatus. The case of a 49 year-old male patient suffering from gastroesophageal reflux disease with Barrett esophagus, which was treated with a laparoscopic Nissen fundoplication is presented. After the surgery, the patient developed repeated vomiting crisis followed by a severe chest pain, being hospitalized with suspected myocardial infarction. After the chest x-ray it was confirmed the diagnosis of an intrathoracic gastric volvulus and the patient was immediately submitted to an emergency laparoscopic surgery for the reduction of the volvulus and reconstruction of the diaphragmatic hiatus. The surgery was made with no problems, the patient had no further complications being released 72h after surgery, returning to his normal activities, remaining asymptomatic so far. After 2 months the endoscopic control had shown no sign of hiatal hernia or gastro esophageal reflux.

Key words: Gastric Volvulus, Intrathoraric, Anti-reflux, Surgery, Laparoscopy.


Carvalho G.L., Silva F.W., Haruta M., Albuquerque P.P.C., Araújo D.G., Vilaça T.G. Redução e Reparo Laparoscópico de Emergência de um Volvo Gástrico Intratorácico após Fundoplicatura de Nissen - Relato de Caso. Rev bras videocir 2006;4(4):170-175.

Recebido em 16/01/2007

                                                              


Aceito em 28/02/2007




A

volvo gástrico intratorácico é uma entidade incomum, na qual o estômago sofre uma torção onganoaxial ou mesenterioaxial ocorrida na cavidade torácica conseqüente a um alargamento ou ruptura do hiato diafragmático 1, predispondo ao estrangulamento e posterior necrose do órgão. Essa situação pode se apresentar de forma crônica, sem sintomas específicos, sendo conduzida de maneira eletiva; ou de forma aguda, como o caso descrito, necessitando de um procedimento cirúrgico de emergência. 2

PACIENTE E MÉTODO

Em junho de 2006, um homem de 49 anos, com doença do refluxo gastroesofágico (DRGE) complicado com esôfago Barrett (Figura-1a e 1b), foi tratado com uma fundoplicatura laparoscópica à Nissen. Após 12 horas do procedimento cirúrgico, ele apresentou crises repetidas de vômitos e fortes dores no hemitórax esquerdo, sendo hospitalizado com suspeita de infarto agudo do miocárdio. Após anamnese e exame físico detalhados, observou-se diminuição do murmúrio vesicular no hemitórax esquerdo. Foi solicitada uma radiografia torácica onde se evidenciou o desvio do mediastino para a direita e a presença de imagem de um volvo gástrico ocupando todo o hemitórax esquerdo. (Figura-2a).
   Após o diagnostico, o paciente foi encaminhado para o centro cirúrgico, onde foi submetido a um procedimento laparoscópico de emergência com o intuito de reduzir o conteúdo presente na cavidade torácica para sua anatomia de origem, bem como reconstruir o hiato diafragmático roto.

Figura 1 - Imagens endoscópicas do pré - operatório da cirurgia de válvula anti-refluxo à Nissen A. Visão endoscópica do esôfago de Barrett B.
Visão endoscópica da cárdia alargada. C. Visão endoscópica em retrovisão do esôfago no pós-operatório. D. Visão endoscópica da cárdia no pós-operatório.


Figura 2 - A. Radiografia de emergência no pré-operatório mostrando volvo gástrico intratorácico e desvio do mediastino. B. Radiografia no
pós-operatório.



   O procedimento cirúrgico transcorreu sem intercorrências ou complicações. Após 72 horas o paciente recebeu alta e permanece assintomático até o momento. No segundo mês de pós-operatório, foi realizada endoscopia e radiografia de controle, que verificou a ausência de hérnia hiatal ou refluxo gastroesofágico (Figura-1c e 1d e Figura-2b).

Figura 3 - Posicionamento do paciente e da equipe cirúrgica. No detalhe o posicionamento dos trocartes.

Técnica Cirúrgica:

O paciente foi posicionado da mesma forma utilizada no procedimento anti-refluxo original. (Figura-3). A confecção do pneumoperitônio, pela técnica aberta, foi feita través da incisão umbilical, por onde foi inserido um trocarte de 10mm. Foi utilizada pressão intra-abdominal de 12 mmHg. Após o estabelecimento do pneumoperitonio, foi inserida a ótica e observada a real condição do paciente, onde não se visualizou qualquer sinal do estomago na cavidade abdominal. Foram inseridos mais 4 trocates (Figura-3), sendo 3 de 5mm, e um de 10mm para o afastador de fígado.
   Após se iniciar a tração do estomago foi possível observar a dimensão da lesão no hiato diafragmático (Figura-4a). Devido ao grande volume de gás no estomago optou-se pela inserção de uma sonda orogástrica, que foi feita com orientação laparoscópica, com objetivo de evitar uma perfuração inadvertida pela sonda. O conteúdo gástrico foi aspirado o que facilitou a redução do estomago através do hiato diafragmático (Figura-4b). Foi então possível de ser visualizada a válvula de Nissen, a qual estava integra e bem posicionada, no entanto apresentando sinais de isquemia. Devido ao risco de ruptura, decidiu-se por desfazer a válvula (figura 4c). Todos os nós da válvula foram removidos e o fundo gástrico reposicionado anatomicamente, havendo melhora em sua coloração. A redução foi concluída, não sendo evidenciado sinal de perfuração ou qualquer tipo de lesão tecidual grave no estômago. A cavidade torácica foi avaliada pela via transmediastinal, não sendo evidenciada lesão grave no hemitórax esquerdo ou mediastino. A reconstrução anatômica do hiato diafragmático foi feita com fio de poliéster 2-0 (Figura-4d), não sendo utilizado reforço de tela. Por fim foi inserido um dreno transmediastinal de silicone no hemitórax esquerdo com saída através do orifício mais lateral dos trocartes abdominais de 5mm, com objetivo de drenar o Hemopneumotórax esquerdo(Figura - 4e).

DISCUSSÃO

O primeiro volvo gástrico foi observado por Paré em 1579 5. É uma situação incomum onde se observa uma rotação maior que 180 graus que pode ocasionar comprometimento do suprimento vascular do estômago 6. A incidência do volvo gástrico não está bem estabelecida e é considerada uma desordem rara. Sabe-se que 15-20% dos casos ocorrem em pacientes pediátricos 7, mas o pico de incidência está presente na quinta década de vida e ocorre de forma equivalente entre homens e mulheres 7.

Figura 4 - Imagens laparoscópicas da cirurgia de emergência. A. Lesão do hiato diafragmático B. Introdução da sonda orogástrica para
drenagem do conteúdo estomacal C. Válvula a Nissen com sinais de isquemia à esquerda sendo desfeita D. Reconstrução anatômica do hiato diafragmático E. Posicionamento do dreno transmediastinal F. Visualização do diafragma após reconstrução anatômica.


   O volvo gástrico é classificado em organoaxial, mesenteroaxial e misto e podem apresentar as etiologias idiopática, congênita e adquirida. Os sinais observados no volvo gástrico foram descritos por Borchardt em 1904, quando foi descrita a tríade formada por: dor epigástrica e distensão, náuseas com dificuldade de vomitar e distorção da anatomia da junção esofagogástrica o que impossibilitava a passagem de uma sonda nasogástrica 8. O volvo pode apresentar sua sintomatologia de maneira crônica ou aguda necessitando imediata intervenção médica. Para diagnóstico de um volvo gástrico é necessário anamnese e exame físico detalhados. Entre os exames complementares, o estudo radiológico com radiografia simples do tórax é na maioria das vezes o suficiente para o diagnóstico do volvo gástrico. Em caso de dúvida no diagnóstico é, às vezes, necessário realizar vídeoesofagograma, tomografia computadorizada, ressonância magnética e endoscopia digestiva alta 2.
   O paciente relatado foi submetido anteriormente a uma fundoplicatura laparoscópica à Nissen e apresentou, no pós-operatório imediato, crises de vômitos. É descrito que herniação gástrica intratorácica é incomum, podendo ocorrer tanto no pós-operatório imediato quanto tardio, e mais de 80% dos pacientes apresentam crises de vômitos logo no pós-operatório imediato 9. O paciente do relato apresentava sinais e sintomas de uma hérnia paraesofagiana gigante (HPG) e a radiografia de tórax constatou além da HPG a presença de um volvo gástrico na cavidade torácica. São observadas em pacientes que apresentam hérnias paraesofagianas gigantes as seguintes complicações: torção, necrose, perfuração e hemorragia maciça 3. O paciente necessitava, portanto, de um tratamento de emergência já que apresentava grande risco de complicação pela associação de HPG e volvo gástrico intratorácico agudo.
   O volvo gástrico agudo requer um tratamento imediato e, na maioria das vezes, é necessária uma intervenção cirúrgica para diminuir a morbidade e evitar a morte. O tradicional reparo de uma hérnia paraesofagiana gigante é por laparotomia, toracotomia ou uma combinação de ambas 4.
   A via de acesso escolhida foi laparoscópica, que substituiu com eficácia os tradicionais procedimentos abertos. Algumas iniciativas, no transcorrer da operação, foram importantes e benéficas, para o paciente, a curto e longo prazo e devem ser enfatizadas: a drenagem transmediastinal, a opção de desfazer a válvula e a reconstrução do hiato diafragmático sem tela.
   A drenagem transmediastinal laparoscópica facilitou o prosseguimento da operação com o controle do hemopneumotórax e evitou uma drenagem torácica intercostal, procedimento usualmente acompanhado de maior dor, que poderia alterar a evolução do paciente. Utilizando como entrada o orifício mais lateral dos trocartes abdominais, um dreno de silicone foi inserido e através dos pilares diafragmáticos posicionado dentro da cavidade pleural sendo mantido até 15 minutos após o término da laparoscopia, restaurando a pressão negativa na pleura. O paciente foi mantido sob ventilação com pressão positiva pelo anestesista durante o procedimento. Esta técnica tem sido utilizada com sucesso pela equipe para resolução de quadros de lesão pleural decorrentes de procedimentos laparoscópicos desde 2000 e até então se mostrou efetiva na resolução do pneumotórax decorrente de lesão pleural acidental durante a dissecção do hiato diafragmático. Esta técnica tem possibilitado uma melhor evolução do paciente quando comparamos com a drenagem torácica tradicional e mantendo os princípios de uma cirurgia minimamente invasiva.
   A manutenção da fundoplicatura, apesar de integra, em um paciente bastante grave, com tantas complicações poderia agravar a isquemia e propiciar uma posterior ruptura da mesma, justifica-se portanto a opção por desfazê-la, aumentando a segurança do procedimento.
   Ainda é controverso o uso rotineiro de tela para reconstruir com menor tensão uma hérnia hiatal de grande dimensão. No caso descrito, a reconstrução do hiato diafragmático não necessitou do uso de tela, pois a ruptura não foi grande e se localizou na porção anterior do diafragma. Como não foi observada tensão durante sua reconstrução anatômica, foi considerado desnecessário o uso da tela neste caso 10.
   O paciente evolui sem complicações e a correta reconstrução do hiato diafragmático foi suficiente para o tratamento da hérnia hiatal e controle do refluxo gastroesofágico constatado na melhora sintomatológica referida bem como na endoscopia de controle dois meses após a operação.
   Este relato objetivou demonstrar a factibilidade e segurança do tratamento laparoscópico de emergência de uma Hérnia Paraesofágica Gigante associada a um volvo gástrico intratorácico. É sabido que o uso da laparoscopia traz benefícios significantes, incluindo menor complicação perioperatória e dor no pós-operatório4. Procedimentos laparoscópicos de complexidade cada vez maior têm sido realizados com sucesso por diversas equipes cirúrgicas. O grande limitador para execução destes complexos procedimentos por laparoscopia é a disponibilidade de instrumental laparoscópico adequado e o efetivo treinamento das equipes em procedimentos laparoscópicos avançados, principalmente os realizados em caráter de emergência.

Referências Bibliográficas

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5.Hamby WB, editor. The case reports and autopsy records of Ambroise Pare. Translated from JP Malgaigne's "Oeuvres Completes d'Ambroise Pare," Paris, 1840. Springfield (IL): Charles C. Thomas; 1960.
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7.Cameron AE, Howard ER. Gastric volvulus in childhood. J Pediatr Surg 1987;22:944_7.
8.Borchardt M. Pathologie und therapie des magenvolvulus in German. Arch Klin Chir 1904; 74:243_60.
9.O'Boyle CJ, Heer K, Smith A, Sedman PC, Brough WA, Royston CMS. Iatrogenic thoracic migration of the stomach complicating laparoscopic Nissen fundoplication , Surgical Endoscopy, Volume 14, 2000, 540-542.
10.Parameswaran R, Ali A, Velmurugan S, Adjepong SE, Sigurdsson A. Laparoscopic repair of large paraesophageal hiatus hernia: quality of life and durability. Surg Endosc. 2006; 20(8):1221-4.

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