Órgão Oficial de Divulgação Científica da
Sociedade Brasileira de Videocirurgia

ISSN: 1679-1796
ANO 4 Vol.4  Nº 3 - Jul/Set 2006

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Avaliação da Cavidade Uterina em Mulheres Inférteis: Comparação Entre Dois Métodos

Evaluation of The Uterine Cavity In Infertile Women: Comparison Among Two Methods

João Michelon, Andrey Cechin Boeno, Lia Karina Volpato, Alvaro Petracco, Mariangela Badalotti


Hospital São Lucas da PUCRS e FERTILITAT Centro de Medicina Reprodutiva, Porto Alegre, RS.



OBJETIVOS: Comparar a histerossalpingografia (HSG) com a histeroscopia (HSC) na avaliação da cavidade uterina de mulheres inférteis. PACIENTES E MÉTODOS: Trata-se de um estudo transversal e retrospectivo com pacientes atendidas no ambulatório de ginecologia do Hospital São Lucas da PUCRS e na clínica FERTILITAT portadoras de infertilidade, que foram submetidas a HSC, no período de janeiro de 1996 a março de 2002. Os dados das HSC foram comparados com as HSG e analisados quanto a sensibilidade e especificidade da HSG em relação a HSC. RESULTADOS: Foram revisados 94 HSC identificando-se 16,0% de mioma submucoso, 14,9% de sinéquias uterinas, 9,6% de cavidade septada, 2,1% de útero unicorno, 7,4% de pólipos uterinos e útero subseptado. Ao nível do canal cervical foram identificados sinéquias em 4,3% e pólipo endocervical em 3,2%. O exame foi normal em 35,8% dos casos. A HSG identificou corretamente 89,2% das cavidades normais, 100% dos úteros unicornos e sinéquias cervicais, 93,3% dos miomas, 57,1% dos subseptos e das sinéquias uterinas, 55,5% das cavidades septadas, 28,8% dos pólipos endometriais e 33,3% dos pólipos endocervicais. Na comparação da HSG com a HSC a análise dos dados mostrou sensibilidade de 89,2% e especificidade de 70,9% na avaliação da cavidade uterina e 96,5% e 75%, respectivamente. CONCLUSÕES: Os dados encontrados reforçam a necessidade da histeroscopia na avaliação da cavidade uterina em mulheres inférteis. Porém, permanece a indicação da HSG para este propósito quando a histeroscopia não está disponível.

Palavras-chave: Histeroscopia, Histerossalpingografia, Infertilidade, Cavidade uterina, Malformação uterina, Mioma submucoso, Sinéquias, Pólipo endometrial.

OBJECTIVE: The objective of this research is to compare the histerossalpingography (HSG) to the histeroscopy (HSC) in the evaluation of the uterine cavity of infertile women. PATIENTS AND METHODS: Transverse and retrospective study with infertile patients assisted at the clinic of gynecology of São Lucas Hospital and at FERTILITAT clinic. These patients were submitted to the HSG and HSC. In the comparison of the methods, the data were analyzed in relationship to the sensibility, specificity and predictive value. RESULTS: 94 exams were reviewed. The HSG identified correctly 89,2% of the normal cavities, 100% of the unicornuate uterus, 93,3% of the submucous myoma, 57,1% of the uterine subseptum and of the uterine adhesions, 55,5% of the uterine septum and 28,8% of the uterine polyps. In the comparison of the HSG to the HSC, the analysis of the data showed sensibility of 66%, specificity of 88%, positive predictive value of 90% and negative predictive value of 60%. DISCUSSION: The research is according to the literature and it shows the inability of the HSG in the diagnostic precision of the uterine pathologies, where the HSC is the model exam. CONCLUSIONS: The data reinforce the need of histeroscopy in the evaluation of the uterine cavity of infertile women. However, when the histeroscopy is not available, the histerossalpingography is indicated.

Key words: Histeroscopy, Histerossalpingography, Infertility, Uterine cavity, Uterine malformation, Submucous myoma, Uterine adhesions, Uterine polyps.


MICHELON J, BOENO A.C., VOLPATO L.K., PETRACCO A., BADALOTTI M. Avaliação da Cavidade Uterina em Mulheres Inférteis: Comparação Entre Dois Métodos. Rev bras videocir 2006;4(3):109-112.

Recebido em 19/10/2006

                                                              


Aceito em 03/12/2006




A

infertilidade acomete cerca de um a cada cinco casais que desejam engravidar e a taxa de fertilidade por ciclo está na ordem de 20% ao mês9. Várias condições no âmbito feminino podem determinar insucesso na obtenção de gravidez; a infertilidade de causa uterina está na ordem de 5% e as alterações mais freqüentes são: miomas, pólipos, sinéquias e malformações congênitas9.
   A histerossalpingografia (HSG) e a histeroscopia (HSC) são considerados métodos propedêuticos importantes para o ginecologista. O primeiro é essencial para avaliação básica da infertilidade; o segundo, embora não sendo instrumento de primeira linha, vem sendo difundido progressivamente na prática ginecológica1.
   Embora a HSG tenha como indicação principal a avaliação tubária, ela permite identificar alterações anatômicas da cavidade uterina com considerável precisão2. Porém, por ser um método indireto de avaliação, somado à interposição do contraste, sua precisão diagnóstica pode falhar.
   Algumas variáveis de ordem técnica também podem interferir negativamente no diagnóstico correto das patologias da cavidade uterina. A avaliação de pacientes inférteis é a segunda principal indicação da HSC, atrás somente da avaliação do sangramento uterino anormal. Sinéquias, septos, pólipos e miomas submucosos constituem os achados mais comuns6. O exame histeroscópico permite avaliar, ainda, a funcionalidade da cavidade uterina e do canal cervical, além das alterações no muco2. Em pacientes que serão submetidas à fertilização in vitro (FIV), a realização de HSC prévia é rotina em grande parte dos centros.
   O objetivo da pesquisa é comparar a HSG com a HSC na avaliação da cavidade uterina de mulheres inférteis.

PACIENTES E MÉTODOS

    Trata-se de um estudo transversal e retrospectivo com pacientes atendidas no ambulatório de ginecologia do Hospital São Lucas da PUCRS e na clínica FERTILITAT portadoras de infertilidade, que foram submetidas à HSG e à videohisteroscopia. Na comparação dos métodos, os dados foram analisados quanto a sensibilidade, especificidade e valor preditivo.

RESULTADOS

    Foram revisados 94 exames (Tabela-1). As alterações encontradas na HSC de mulheres inférteis foram: mioma submucoso (16,0%), sinéquias uterinas (14,9%), cavidade uterina septada (9,6%), pólipo endometrial (7,4%), cavidade uterina sub-septada (7,2%) e útero unicorno (2,1%). O exame foi normal em 35,6% dos casos. A HSG identificou corretamente 89,2% das cavidades normais, 100% dos úteros unicornos, 93,3% dos miomas submucosos, 57,1% dos subseptos e das sinéquias uterinas, 55,5% das cavidades septadas e 28,8% dos pólipos endometriais. Na comparação da HSG com a HSC, a análise dos dados mostrou sensibilidade de 66%, especificidade de 88%, valor preditivo positivo (VPP) de 90% e valor preditivo negativo (VPN) de 60%.

 

DISCUSSÃO

    Durante as últimas duas décadas vários estudos mostraram que a HSC é muito mais precisa que HSG na avaliação da cavidade endometrial 2,5,8,12. KESSLER e LANCET5 relataram que uma correlação entre os dois exames pode não ocorrer em até 2/3 dos casos; mostraram que 54,3% das sinéquias intrauterinas diagnosticadas por HSG não foram evidenciadas na HSC. WANG e cols.12 comparou o valor diagnóstico da HSG e HSC em mulheres inférteis e verificou que das 79 mulheres com HSG normal, 28 delas tinham HSC alterada (uma taxa de falso negativo de 35,4%); das 135 mulheres com HSG anormal, a HSC demonstrou normalidade em 21 delas (uma taxa de falso positivo de 15,6%). A sensibilidade da HSG foi de 80,3% e a especificidade de 70,1%. GOLAN e cols.2, com o mesmo propósito de avaliação, mostrou resultados semelhantes.
   Em casuística semelhante ao presente trabalho, HOURVITZ e cols.4 encontrou concordância entre a HSC e HSG em 88% dos exames considerados normais, sendo a taxa de falso-negativo foi de 12% para HSG. O autor considera que na ausência de uma história positiva e/ou uma HSG anormal, a HSC traria pequena contribuição diagnóstica da infertilidade feminina. Porém, considerando a rapidez do procedimento e as baixas taxas de complicação, ela poderia ser executada em todas as pacientes inférteis, em especial aquelas que vão a procedimento mais invasivo como a laparoscopia.
   Numa série prospectiva de 336 mulheres que realizaram os dois exames, PREUTTHIPAN e LIMASMITA7 encontraram anormalidades histerossalpingográficas da cavidade uterina em 286 mulheres, das quais, 200 foram confirmadas pela HSC. Por outro lado, 4 de 50 mulheres com HSG normal tinham alterações quando realizaram a HSC. A HSG apresentou 98% de sensibilidade e 34,9% de especificidade; o VPP foi de 69,9% e o negativo de 92%. Os achados mais comuns na HSC relatados pelos autores foram: sinéquias (22%), pólipo endometrial (16,7%) e mioma submucoso (7,7%)8.
   A contraposição ou a ratificação de resultados de outras pesquisas em relação aos apresentados no presente trabalho tem justificativa pela grande quantidade de variáveis que podem interferir nos resultados dos exames, em especial, a qualidade técnica e a subjetividade na interpretação das imagens, particularmente da HSG.
   A HSG é um exame amplamente disponível e de baixo custo; é fundamental na investigação da mulher infértil e tem deferência na avaliação da cavidade uterina1,10. Porém, a HSC permanece como exame modelo para este propósito. Trata-se de um método propedêutico seguro, bem tolerado e realizado de forma ambulatorial3,10,11. Destaca-se como dado negativo, o fator custo e a baixa disponibilidade em relação à HSG.

CONCLUSÕES

    Os dados encontrados na presente pesquisa reforçam a necessidade da histeroscopia na avaliação da cavidade uterina de mulheres inférteis. Porém, permanece a indicação da HSG para este propósito quando a histeroscopia não está disponível.

Referências Bibliográficas

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12. Wang CW, Lee CL, Lai YM, et al. Comparison of hysterosalpingography and hysteroscopy in female infertility. J Am Assoc Gynecol Laparosc 1996; 3:5

ENDEREÇO PARA CORRESPONDÊNCIA

João Michelon
Av. Ipiranga, 6690 cj. 401- Centro Clínico da PUCRS
Porto Alegre, RS CEP 90610.000
Email: jmichelon@terra.com.br