Órgão Oficial de Divulgação Científica da
Sociedade Brasileira de Videocirurgia

ISSN: 1679-1796
ANO 2 Vol.2  Nº 3 - Jul/Set 2004

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Disfagia Pós Fundoplicatura Laparoscópica Causada por Granuloma de Corpo Estranho

Dysphagia after Laparoscopic Fundoplication Caused by Foreign Body Reaction

André Brandalise1, Nelson Ary Brandalise2 Nilton César Aranha3 Vladimir Rodrigues Gutierres4


Serviço de Cirurgia da Fundação Centro Médico de Campinas, SP - Brasil



Disfagia persistente no pós-operatório de hiatoplastia e fundoplicatura é uma complicação relativamente comum, e decorre de várias causas. Destacam-se entre essas os distúrbios motores do esôfago não identificados no pré-operatório e os problemas relacionados com a fundoplicatura e/ou hiatoplastia. Outras condições menos freqüentes aparecem, eventualmente, como diagnóstico diferencial. Os autores apresentam um caso de disfagia no pós-operatório tardio de hérnia hiatal causada por compressão e inflamação extrínseca por lesão cística originária de granuloma de corpo estranho, em uma paciente de 56 anos, confirmado e tratado por laparotomia após extensa investigação. A paciente recebeu alta em excelentes condições e mantém-se assintomática.

Palavras-chave: DISFAGIA /diagnóstico /etiologia, CISTO ESOFÁGICO /diagnóstico, GRANULOMA /laparotomia.

Persistent dysphagia following hiatoplasty and fundoplication is a relatively common complication and has numerous causes. Among them, the most frequent are esophageal motility disorders not diagnosed and problems with the fundoplication or cruroraphy. Other rare conditions eventually appear as a differential diagnosis. The authors present a case of dysphagia in the late follow up of an anti-reflux procedure, caused by an extrinsic compression due to a cystic lesion formed after a foreign body reaction. This diagnostic was treated and confirmed by laparotomy and the patient is doing well, without signs of recurrence.

Key words: DYSPHAGIA /diagnostic /etiology, ESOPHAGEAL CYST /diagnostic, GRANULOMA /laparotomy.


BRANDALISE A, BRANDALISE NA, ARANHA NC, GUTIERRES VR. Disfagia Pós Fundoplicatura Laparoscópica Causada por Granuloma de Corpo Estranho. Rev bras videocir 2004;2(3):152-155.

Recebido em 19/09/2004

                                                              


Aceito em 22/09/2004


RELATO DE CASO

A

aciente do sexo feminino, 56 anos com história de pirose retroesternal por três anos e períodos de exarcebação a cada três meses. Realizada endoscopia digestiva alta sendo firmado diagnóstico de hérnia hiatal e esofagite grau "A" de Los Angeles.
   Após ser constatada dependência de inibidor da bomba de prótons em dose plena para manter-se assintomática, foi indicado tratamento cirúrgico, tendo sido realizada hiatoplastia e fundoplicatura técnica mista, com fundo anterior e posterior.
   O pós-operatório foi sem intercorrências e a paciente apresentava-se bem, aceitando dieta sólida, até reconsulta no quadragésimo dia pós-operatório.
   Permaneceu assintomática durante três anos e dois meses, quando retornou com queixa de disfagia. Na ocasião, foi submetida a esofagograma, endoscopia e manometria que se revelaram normais (Figura 1 e 2).

Figura 1 _ Imagem manométrica mostrando função normal do corpo esofágico.




Figura 2 _ Imagem monométrica mostrando relaxamento adequado da zona de alta pressão.



   Como a queixa disfágica era persistente, mesmo após dilatação endoscópica com sonda de Savary-Gilliard, foi realizada tomografia computadorizada que revelou compressão extrínseca do esôfago abdominal de 5 a 6 cm, ocasionada por formação cística (Figura 3).

Figura 3 _ Tomografia mostrando compressão extrínseca do esôfago por lesão cística ao nível da transição esôfago gástrica.



   Julgando tratar-se de abscesso localizado, realizamos a drenagem do mesmo por laparoscopia, sem ressecção. Houve remissão total dos sintomas.
   Decorrido um período de seis meses da drenagem laparoscópica, a paciente foi novamente internada com quadro de disfagia progressiva. Foi realizada ultrassonografia na qual evidenciou-se recorrência da coleção cística na mesma localização.
   À endoscopia digestiva, durante manobra do fundo gástrico, foi visualizada drenagem de líquido brancacento junto à fundoplicatura. Tentamos ampliar o óstio de drenagem para o estômago com o uso de papilótomo (Figura 4).

Figura 4 _ Endoscopia digestiva realizada por ocasião de impactação de corpo estranho, demonstrando fundoplicatura de bom aspecto e saída de líquido esbranquiçado próximo à mesma.



   Como o quadro de disfagia persistia mesmo após a drenagem endoscópica, optamos por nova abordagem cirúrgica. Na laparotomia foi identificado bloqueio inflamatório intenso ao redor do cárdia. Após liberação das aderências foi identificada uma área cística, próxima ao esôfago que, aberta, deu saída a líquido brancacento, sem odor e contendo restos de fios de sutura, com diâmetro interno aproximado de dois a três centímetros. Os fios foram retirados e a cavidade drenada.
   A paciente mantém-se assintomática, passados quatro meses do procedimento.

DISCUSSÃO

   A reação a corpos estranhos intra-abdominais é bastante conhecida do cirurgião, e pode permanecer silenciosa por longos períodos, manifestando-se, na maioria das vezes, por exercer efeito de massa em estruturas vizinhas.1
   Reação a corpos estranhos intencio-nalmente aplicados em procedimentos cirúrgicos, como fios de sutura, geralmente é limitada a pequenos nódulos que permanecem assintomáticos.
   A disfagia no pós-operatório tardio de fundoplicatura laparoscópica tem como causas mais comuns os distúrbios motores esofágicos e problemas com a fundoplicatura.2,3,4,5
   A investigação, endoscópica e mano-métrica, pode auxiliar no diagnóstico destas complicações.
   No caso apresentado, estes exames foram, em princípio, normais.
   Ao ser identificado cisto comprimindo o esôfago, outras hipóteses se apresentaram, sendo uma coleção relacionada com a cirurgia, a mais provável.
   Na evolução do quadro, após constatação de líquido brancacento drenando para o fundo gástrico, julgamos que o cisto tivesse sido originado por lesão de ducto linfático anômalo, pelo aspecto macroscópico do líquido semelhante a linfa. Não foi possível coleta de material por endoscopia para dosagem de lipídeos.
   Após várias tentativas de tratamento endoscópico, optamos por nova cirurgia tendo sido realizada a remoção de fios inabsorvíveis, que elucidou o quadro, sendo o anatomopatológico compatível com reação de corpo estranho aos fios de sutura da hiatoplastia.
   O diagnostico dessa condição foi difícil de ser suspeitado no pré-operatório, já que a ausência de corpo estranho como gaze ou compressa tornava o cisto indiferenciável de coleções líquidas.
   Dentre as causas mais freqüentes de lesões císticas periesofágicas poderíamos excluir o cisto esofágico e os tumores.
   O cisto por ser uma anomalia congênita 6, e os tumores por não apresentarem clínica compatível ou achados isolados que nos fizessem pensar no mesmo.
   A apresentação deste caso serve para registrar uma condição incomum, de difícil diagnóstico, devendo estar entre as hipóteses diagnósticas de coleções encontradas em seguimento tardio de pacientes cirúrgicos.


Referências Bibliográficas

1. Fernandes Lobato R, Marin Lucas FJ, Fradejas Lopes JM, et al. Postoperative textilomas: review of 14 cases. Int Surg 1999; 83(1):63-6.
2. Dessinger MS, Torquati A, Houston HL et al. Laparoscopic fundoplication 5-year follow-up. Am Surg 2004; 70(8):691-4.
3. Patti MG, Robinson T, Galvani C, et al. Total fundoplication is superior to partial fundoplication even when esophageal peristalsis is weak. J Am Coll Surg. 2004 Jun;198(6):863-9.
4. Stein HJ, Bremner RM, Jamieson J et al: Effect of Nissen fundoplication on esophageal motor function. Arch Surg 1992; 127:788-1.
5. Wetscher GJ, Glaser K, Wieschemeyer T et al. Tailored antireflux surgery for gastroesophageal reflux disease: effectiveness and risk of postoperative dysphagia. World J Surg 1997; 71:605-10.
6. Cuenca-Abente F, Woltman TA. Esophageal cyst. Disponível em: www.medscape.com/viewarticle//482179, publicação digital em Medscape General Medicine 6(2), 2004.

ENDEREÇO PARA CORRESPONDÊNCIA

ANDRÉ BRANDALISE
Rua Eduardo Lane, 200
Campinas, SP - Brasil
CEP: 13.075-903
e-mail: andre@gastrisite.com.br 


 

(1) Preceptor dos médicos-residentes do Departamento de Cirurgia da Fundação do Centro Médico de Campinas, Pós-graduado (Nível Mestrado) do Departamento de Cirurgia da FMUSP,Membro Titular da Sociedade Brasileira de Cirurgia Laparoscópica.

(2) Chefe Departamento de Cirurgia da Fundação do Centro Médico de Campinas, Professor Livre-Docente da FCM-UNICAMP, Membro Titular da Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica

(3) Médico Cirurgião da Fundação Centro Médico de Campinas, Membro Titular da Sociedade Brasileira de Cirurgia Laparoscópica, Membro Titular da Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica.

(4) Médico-Estagiário do Departamento de Cirurgia da Fundação Centro Médico de Campinas.