Órgão Oficial de Divulgação Científica da
Sociedade Brasileira de Videocirurgia

ISSN: 1679-1796
ANO 1 Vol.1  Nº 3 - Jul/Set 2003

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Reparo Laparoscópico de Síndrome de Artéria Mesentérica Superior
Técnica de Duonenojejunostomia em Sutura Contínua

Laparoscopic repair of Superior Mesenteric Artery Syndrome: Sutured
Handsewn Duodenojejunostomy Technique

Ricardo Zorrón1, Marcel Milcent2, Marduk Contreras3, Hannah Lukashok4, Rodrigo Marques5, Delta Madureira Filho6


Hospital Universitário Clementino Fraga Filho, UFRJ, Rio de Janeiro, Brasil


RESUMO


OBJETIVOS: A Síndrome Compressiva da Artéria Mesentérica Superior é uma patologia rara, causada pela compressão vascular da terceira porção do duodeno. O reparo laparoscópico com anastomose duodeno-jejunal com grampeador simples foi descrito em 5 casos da literatura recente para o tratamento da afecção. A anastomose com sutura de polipropileno contínua parece representar um aprimoramento técnico seguro e com melhor visualização progressiva da anastomose para o manuseio desta patologia. CASUÍSTICA E MÉTODOS: Um paciente do sexo masculino de 40 anos de idade com diagnóstico de síndrome de artéria mesentérica superior por endoscopia alta, tomografia computadorizada e seriografia, foi submetido ao procedimento cirúrgico. Duodenojejunostomia laparoscópica com anastomose com sutura contínua com fio de polipropileno foi realizada através da instalação de quatro trocartes. A câmera foi posicionada no trocater umbilical, o cirurgião utilizou dois trocartes à esquerda do paciente, e um trocater à direita serviu para elevação do cólon transverso pelo assistente. RESULTADOS: O tempo operatório foi de 132 minutos. O tempo de internação foi de 6 dias, e ingesta oral foi iniciada no terceiro dia, com dieta completa no quinto dia. Não foram documentadas complicações pós-operatórias. CONCLUSÃO: A técnica apresentada e revisão da literatura recente sugerem que a abordagem laparoscópica da síndrome de artéria mesentérica superior é uma técnica factível e segura, com tempo operatório aceitável, realizada com relativa facilidade por equipe treinada. As vantagens potenciais de uma derivação realizada com sutura manual incluem uma anastomose mais precisa em uma região duodenal curta e de acesso difícil, e menos custo para cirurgia gastrointestinal em hospitais menos favorecidos.

Palavras-chave: SÍNDROME DE ARTÉRIA MESENTÉRICA SUPERIOR/cirurgia; OBSTRUÇÃO DUODENAL/cirurgia; ARTERIAS MESENTÉRICAS/anormalidades; LAPAROSCOPIA/métodos; CIRURGIA VÍDEO-ASSISTIDA.

ZORRÓN R, MILCENT M, CONTRERAS M, LUKASHOK H, MARQUES R, MADUREIRA FILHO D . Reparo Laparoscópico de Síndrome de Artéria Mesentérica Superior: técnica de duodenojejunostomia em sutura contínua. Rev bras videocir 2003;1(3):87-91.



A

Síndrome de Artéria Mesentérica Superior, também conhecida como Síndrome de Wilkie, é uma rara afecção causando obstrução duodenal em pacientes tipicamente jovens com emagrecimento rápido e acentuado. É caracterizada por obstrução vascular da terceira porção do duodeno pela artéria mesentérica superior (AMS) no sítio em que esta passa sobre o duodeno, comprimindo o mesmo como um pinçamento aórtico-mesentérico. O paciente apresenta sintomas intermitentes obstrutivos no abdome superior, com história de perda de peso antes do início da sintomatologia obstrutiva. Fatores predisponentes para a síndrome incluem anorexia nervosa, imobilização em posição supina, sendo relatada também após cirurgia aórtica e ortopédica, mais comumente cirurgia da coluna.
    Deve-se realizar os meios diagnósticos para exclusão de causas mais freqüentes de obstrução duodenal, como tumores malignos e benignos do duodeno, compressão extrínseca por tumores ou linfadenopatias, e hérnia paraduodenal. O diagnóstico é baseado no achado de três critérios: dilatação duodenal, compressão do duodeno pela AMS, e um ângulo aorto-mesentérico menor que 20o. MANSBERGER e cols. compararam o estudo angiográfico de um grupo de pacientes com a síndrome, com um grupo controle, determinando que todos com a síndrome apresentavam ângulo aorto-mesentérico menor que 20o, além da distância dos vasos ser entre 2 e 3 mm na passagem duodenal9 (Tabela 1). Exames como endoscopia digestiva alta, seriografia de esôfago-estômago-duodeno e tomografia computadorizada auxiliam na avaliação diagnóstica.


Tabela 1 Estudo comparativo com arteriografia de populações de pacientes com e sem síndrome de Wilkie

GRUPO  Paciente  Ângulo Aórtico/AMS Distância*
Normal  1 55 7
  2 60 16
  3 65 16
  4 55 20
   5 45 20
Síndrome AMS 1 12 3
  2 10 2
  3 22 2
  4 10 3
  5 17 2

*Distância entre AMS e aorta no cruzamento com o duodeno (em milímetros)



    Um tratamento conservador, com aspiração nasogástrica e nutrição parenteral total com tentativa de realimentação oral, pode ser tentado por períodos de duas a quatro semanas, com alguns relatos de sucesso. O tratamento de escolha para pacientes que não respondem ao tratamento clínico é a derivação duodenal. A duodenojejunostomia latero-lateral é realizada preferencialmente abaixo do cólon transverso e proximal a AMS, preservando a função do piloro e impedindo a gastrite alcalina que ocorre após gastroenteroanastomose, procedimento inade-quado para esta patologia.
    Tradicionalmente, este procedimento é realizado por laparotomia. A experiência dos autores com cirurgia videolaparoscópica gastrointestinal levou à possibilidade do tratamento laparoscópico desta patologia. O relato de evolução satisfatória com anastomose laparoscópica com grampeador linear foi coletado em cinco casos de diferentes instituições na literatura recente 3, 7, 10.
    A técnica proposta no presente trabalho - duodenojejunostomia latero-lateral videola-paroscópica com sutura contínua com fio de polipropileno, é inédita na literatura mundial até a presente data, representando um avanço terapêutico que proporciona boa visualização de todas as etapas da anastomose, com as vantagens do procedimento minimamente invasivo.

CASUÍSTICA E MÉTODO

    Relatamos o caso de um paciente de 40 anos, com história de três meses de dor epigástrica e vômitos pós-prandiais, biliosos e com resíduos alimentares cerca de 3-4 horas após a alimentação. No período referiu emagrecimento de 12kg. Ausência de co-morbidades, alergias, cirurgias ou trauma. Não havia história de etilismo ou tabagismo. Ao exame físico apresentava-se desnutrido e hipohidratado, sem alterações abdominais. Nos exames laboratoriais, notava-se anemia com hemoglobina de 12,5mg/dl e hematócrito de 33,4%. Foi detectada hipoproteinemia com albumina de 3,3mg/dl, proteínas totais de 5,9mg/dl, além de hiponatremia e hipocalemia. Um pequeno nódulo (0,5cm) foi localizado no istmo da tireóide e encontrada pequena alteração nos valores hormonais tireoidianos, com tireoxina livre de 1,53ng/ml (normal de 0,8 a 1,9 ng/ml) e TSH de 0,315mUg/ml (normal de 0,4 a 4mUg/ml), sugerindo hiper-tireoidismo subclínico como causa prévia do emagrecimento. Endoscopia alta demonstrou grande distensão gástrica e duodenal até a terceira porção, sugerindo compressão extrínseca, corroborada por seriografia (Figura 1). Tomografia computadorizada evidenciou o ponto de obstrução no espaço aorto-mesentérico, com grande distensão duodenal até este ponto (Figura 2).
    Foi submetido a tratamento conservador com dieta oral zero, aspiração nasogástrica e nutrição parenteral total durante 14 dias. Nova tentativa de realimentação oral resultou em obstrução com vômitos, sendo indicada cirurgia com o paciente já em melhor estado nutricional.


Figura 1 -Seriografia esôfago-gastro-duodenal demonstrando atonia e distensão gástrica e obstrução a nível de terceira porção duodenal.



Figura 2 - Tomografia computadorizada de abdome com estudo do hiato aorto-mesentérico e distensão da alça duodenal a montante.


    Técnica Cirúrgica

    Sob anestesia geral, o paciente é submetido ao pneumoperitônio com CO2, com instalação de quatro trocartes sob visão direta. Além do trocarte umbilical para a câmera, um trocarte de 5mm é posicionado no flanco direito para retração de cólon, e dois trocartes para o cirurgião, que trabalha do lado esquerdo do paciente com um trocarte subcostal (12mm) e um hipogástrico (5mm). Com elevação do cólon transverso, é visualizada a região do duodeno retroperitoneal, do pâncreas e vasos mesentéricos, realizando-se criterioso inventário para confirmar o diagnóstico.
    Inicia-se a dissecção abrindo-se o peritônio à esquerda da artéria cólica média, expondo com dissecção cortante a cabeça do pâncreas, vasos mesentéricos, e realizando a liberação do duodeno até o início da segunda porção, para uma anastomose mais ampla e segura. O ângulo de Treitz é localizado, e uma alça de jejuno proximal a 15cm deste é posicionada para a anastomose junto ao duodeno já preparado. O plano posterior da anastomose é realizado com sutura contínua de polipropileno 2.0 em uma extensão de 8cm. O plano intermediário com abertura das duas alças é feito com grampeador linear cortante de 45mm, com disparo de duas cargas para uma derivação mais ampla. O plano de sutura da parede anterior é semelhante ao primeiro, com o cuidado de manter distância segura dos vasos mesentéricos e do pâncreas. Não é realizada drenagem da cavidade.

RESULTADOS

    O tempo operatório foi de 132min. Estimativa de perda sangüínea operatória foi de 50ml. A sonda nasogástrica foi mantida durante 48hs. Dieta oral líquida foi iniciada no terceiro dia de pós-operatório, e dieta completa foi conseguida após o quinto dia. O tempo de internação pós-operatório foi de 6 dias. O paciente teve evolução sem intercorrências ou complicações, iniciando investigação ambulatorial mais completa do nódulo tireoidiano e hipertireoidismo.


Figura 3 - Posicionamento dos trocartes (aspecto final).




Figura 4 - Aspecto operatório final da anastomose duodeno-jenunal.



DISCUSSÃO

    O papel do tratamento videolaparoscópico está bem estabelecido para uma variedade de patologias gastrointestinais e colorretais. A síndrome compressiva de artéria mesentérica superior, cujos portadores apresentam-se tipicamente com biotipo mais magro pelas características da afecção, presta-se bem ao procedimento laparoscópico, facilitando a anastomose realizada por cirurgião treinado em técnicas avançadas.
    O acesso à região é difícil, mas com adequada manutenção do campo operatório através da elevação do cólon transverso e dissecção criteriosa do retroperitônio, uma anastomose longa e sem tensão é efetuada com relativa facilidade.
    A abordagem desta patologia relativamente rara baseia-se nos princípios da cirurgia convencional, em que já foram estabelecidos critérios diagnósticos e terapêuticos na literatura1, 4, 5, 6, 8, 12. Ao transpor para a cirurgia laparoscópica a técnica de duodenojejunostomia com sutura contínua, ainda não descrita na literatura, os autores pretendem reproduzir com esta abordagem original os bons resultados consagrados pela técnica aberta.

CONCLUSÃO

    A técnica de duodenojejunostomia laparoscópica com sutura contínua, aqui descrita, representa uma nova opção terapêutica para a síndrome compressiva da artéria mesentérica superior, com as vantagens conhecidas da cirurgia minimamente invasiva. É um procedimento seguro e efetivo, com tempo operatório aceitável, relativamente isento de complicações e com boa recuperação do paciente. Apesar dos bons resultados iniciais, o acompanhamento de uma casuística maior é necessário para delinear o papel da videolaparos-copia na terapia desta afecção.

 


ABSTRACT

BACKGROUND: Superior mesenteric artery syndrome is a rare condition caused by vascular compression of the third portion of the duodenum. Laparoscopic repair with stappled duodenojejunal anastomosis was described in 5 cases in the literature for the treatment of the disease. Handsewn sutured anastomosis appears to be a nonexpensive and safe technique for management of the disease, especially for centers in developing countries. METHODS: A 40-year old man with superior mesenteric artery syndrome diagnosed by gastroduodenal barium study, upper endoscopy and CT, was submitted to the procedure. Sutured handsewn laparoscopic retrocolic duodenojejunal anastomosis using polypropylene was performed through a four trocar technique. Camera was placed at the umbilicus port, the surgeon using two trocars on the right side and one left trocar was used for mobilization of the transverse colon. RESULTS: Operating time was 132 min. Postoperative stay was 4 days. No complications were detected postoperatively, and total oral intake was obtained after 5 days. CONCLUSIONS: This preliminary result suggests that the laparoscopic approach for mesenteric artery syndrome is a feasible and safe technique, easily performed by a trained laparoscopic team. The advantages of avoiding stappled sutures include a more precise anastomosis in a difficcult and short third portion of duodenum, and less costs for gastrointestinal handsewn sutures in developing countries centers.

Keywords: SUPERIOR MESENTERIC ARTERY SYNDROME/surgery; DUODENAL OBSTRUCTION/surgery; MESENTERIC ARTERIES/abnormalities; LAPAROSCOPY/methods; LAPAROSCOPIC SURGERY/methods; VIDEO-ASSISTED SURGERY.


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ENDEREÇO PARA CORRESPONDÊNCIA

RICARDO ZORRÓN
Av. Ayrton Senna, 1850 s/418
Barra da Tijuca - Rio de Janeiro
Rio de Janeiro - Brasil
CEP: 22.631-050
e-mail: rzorron@terra.com.br 


 

(1) Cirurgião do Serviço de Cirurgia Geral - HUCFF/UFRJ.

(2) Coordenador do Centro de Cirurgia Minimamente Invasiva do Hospital Municipal Lourenço Jorge, Rio de Janeiro/RJ.

(3) Residente do Serviço de Cirurgia Geral - HUCFF/UFRJ.

(4) Residente do Serviço de Gastroenterologia - HUCFF/UFRJ.

(5) Graduando em Medicina/UFRJ.

(6) Chefe do Serviço de Cirurgia do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho/UFRJ, Rio de Janeiro.

 

Recebido em 10/08/2003
Aceito para publicação em 20/08/2003